Os jogos da festa e da fantasia

'Porque hoje é sábado' Os jogos da festa e da fantasia

OPINIÃO20.07.202411:20

Há, apenas, umas semanas, Paris era um imenso estaleiro. Agora, a uma semana dos Jogos Olímpicos, transformou-se num gigantesco parque de diversões para adultos.

Estive há umas poucas semanas em Paris. A cidade estava inabitável. Longas avenidas e pontes cortadas ao trânsito, a Concorde intransitável, vestida de pó e de aço. Um trânsito caótico e com longas filas de autocarros com turistas ansiosos. As pérolas parisienses em arranjos e limpezas, a Notre-Dame ainda cercada de andaimes povoados por operários vindos dos confins do oriente e muitos, mas mesmos muitos mendigos deitados em cartões amarrotados, estendidos ao longo das margens do Sena e pelos cantos das grandes boulevards.

Nem sombras daquela Paris do glamour, da estética e da cultura que durante séculos marcou o Portugal mais elitista e estrangeirado de modos, hábitos, costumes e certos requintes burgueses.

Os parisienses andam loucos com a vida. A política, como se sabe, desaguou num imenso mar de dúvidas, a economia espera por melhores decisões do Banco Central Europeu e existe um desconforto generalizado com uma sociedade que cresce não se sabe para onde, nem por onde.

Porém, a uma semana dos Jogos, Paris está transformada num enorme parque de diversões para adultos. Houve tempo em que Coubertin fez de Paris a cidade mais importante do olimpismo. Claro que Atenas era o “chão sagrado”, mas Paris era o centro do pensamento olímpico. Não foi por acaso que o barão, apesar de avesso a certas modernices para o tempo, percebeu a importância de ligar o desporto com a cultura, o desporto com a ciência, o desporto com a arte. Coubertin percebeu há mais de cem anos quais deveriam ser os parceiros essenciais do desporto, mas já muitos, hoje, o esqueceram. A Universidade da Sorbonne, em Paris, foi o palco do primeiro congresso olímpico e para o evento foram convidados artistas de renome mundial, escritores consagrados, cientistas de diversos ramos da ciência e algumas das mais afamadas personalidades do pensamento político e social.

Ao longo dos anos, sobretudo nas cerimónias de abertura e de encerramento, a relação do desporto, na sua expressão mais alta e universal, com a cultura, tem-se mantido. Mas é um facto que, ano após ano, afirma-se uma nova expressão de cultura. Daí que Paris nos prometa, agora, uns jogos que une o Desporto com uma cultura popular de diversão.

O PARQUE URBANO NA CONCORDE

Uma das propostas mais futurista dos Jogos acontecerá no coração de Paris. A célebre praça da Concorde foi transformada num imenso parque urbano, onde irão decorrer provas de BMX, breacking, skateboard e um género de mini basquete jogado na versão 3X3.  O público pode circular pela praça fechada ao trânsito, assistir a treinos dos atletas e se achar a competição do desporto urbano menos interessante, pode muito simplesmente abastecer-se num dos muitos pontos de restauração, sentar-se e ficar a ver alguma prova mais interessante, que estará a passar nos ecrãs gigantes da Praça.

UMA GIGANTESCA OPERAÇÃO DE COSMÉTICA

Há um objetivo essencial nestes Jogos Olímpicos: celebrar Paris e dar ao mundo a imagem renovada de uma cidade que sempre fascinou gerações e gerações, em toda a parte do planeta. É uma gigantesca operação de cosmética, que não resistirá no tempo. Quando as cortinas baixarem no palco e a chama olímpica se apagar, é bem provável que renasça, entre os parisienses, um sentimento de nostalgia, frustração e até de medo do futuro.

Mais de dez mil milhões de dólares gastos no maior espetáculo do mundo, mais de 15 milhões de visitantes de todos os continentes, mais de quinze dias de competição, que irão envolver dez mil e quinhentos atletas de elite mundial e quando Paris regressar à sua realidade da rotina quotidiana poderá apenas ficar na memória – se tudo correr bem em matéria de segurança – uma imagem de festa cor de rosa do Desporto no mundo. E é precisamente essa sensação de irrelevância histórica que coloca dúvidas e incomodidades em muitos resistentes do pensamento, que mantém firme a convicção de que o Desporto, (com maiúscula) pode continuar a ter um papel social e político importante, desde que não continue a deixar-se capturar pelo sistema dominante.

A MARATONA E A MARCHA DAS MULHERES

Provas de desporto urbano na Concorde, provas de desporto aquático no Sena, onde a atual Prefeita de Paris, Anne Hidalgo, mergulhou para provar que não há perigo dos atletas serem contaminados, e ainda, uma cereja no topo do bolo parisiense, com a prova final da maratona, que irá homenagear a marcha das mulheres na revolução francesa, quando, a 5 de Outubro de 1789, saíram do Hotel de Ville e avançaram sobre o Palácio de Versalhes, numa impetuosa manifestação contra a fome do povo e a riqueza ostensiva da realeza.

A maratona sairá, pois, do mesmo Hotel de Ville irá até Versalhes e regressará ao centro de Paris, passando pelas margens do Sena, os Inválidos, o Louvre, a Concórdia, o Trocadero e a inevitável Torre Eyfell.

Tony Estanquet, presidente da organização dos Jogos de Paris, não quer a celebração da cidade e da sua magnífica história apenas retratada nas cerimónias de abertura e de fecho que se aguardam, sempre, com expectativa. Estanquet quer unir os Jogos com a cidade de Paris. Algo que talvez consiga fazer com os mais belos e famosos monumentos, mas que dificilmente conseguirá fazer com o povo de Paris. Os parisienses, tal como os londrinos, em 2012, veem nos Jogos mais um fator de perturbação das suas vidas e todos os que podem vão fugir da cidade. Para longe.