Os direitos na ponta dos dedos
«Centralização dos direitos televisivos promete fazer correr muita tinta», diz Rui Almeida (Foto: IMAGO)

Os direitos na ponta dos dedos

Livre e Direto é o espaço de opinião semanal do jornalista Rui Almeida

A discussão não é nova e promete fazer correr muita tinta ao longo dos tempos. O negócio do futebol confunde-se com o negócio dos media, e a propalada centralização dos direitos televisivos, com proventos equitativamente distribuídos pelos diversos protagonistas das competições profissionais parece ser a solução mais rápida, mais viável, eventual mais consensual entre os players em Portugal.

Porém, importa, como em tudo na vida, ter a capacidade de ver em perspetiva, de perceber os contornos, de distinguir os interesses e de equacionar as vantagens dos diversos modelos.

Desde logo porque, nos últimos dez anos (para restringir o máximo esta componente temporal), muito mudou na oferta dos operadores, mas, e sobretudo, muito alterada foi a procura dos consumidores. Não há volta a dar: só existe oferta porque há procura, e a primeira tem sempre de adaptar os seus contornos à segunda. Será sempre a audiência, o público, o telespetador ou o cibernauta a decidir (ainda que indiretamente), as alternâncias do mercado.

Em Portugal, o modelo de cedência do (quase) exclusivo das competições profissionais a um operador especializado privado raramente foi questionado, ou porque a concorrência se desinteressou de uma operação complexa e nada barata, ou porque a conveniência do momento ditou adiantamentos financeiros chorudos a determinadas tesourarias, ajudando à sobrevivência de projetos profissionais mas condicionando em absoluto o seu futuro de médio e longo prazo, com a subjugação aos ditames do operador monopolista.

A falta de visão de muitos dirigentes, aliada ao conforto momentâneo do reforço de tesouraria e às prementes necessidades de viabilização das suas equipas (incluindo aqui negociações essenciais à participação em competições profissionais, com a Autoridade Tributária e com a Segurança Social), mesmo com risco de subversão do equilíbrio, da equidade e, em última instância, da verdade desportiva, foi o leit motiv para um recorrente procedimento de conveniência, sem a exata noção (ou parecendo não a ter…) da hipoteca do futuro dos respetivos emblemas. Não vale a pena citar casos específicos, tão evidentes eles foram nos últimos largos anos.

Ora, antes de avançarmos para qualquer solução, importa conhecer o setor do audiovisual, perceber a sua evolução e as dinâmicas que fazem com que, em 2024, tudo seja muito distinto do que era, por exemplo, em 2014. Comecemos pelos desafios ao consumidor e pelos respetivos hábitos.

A televisão linear é (são os estudos de audiência e os dados estatísticos globais que o prova ) cada vez menos consumida. É-o por menos tempo, em horas menos disseminadas pelo dia, com cada vez menos frequência semanal ou mensal.

A versatilidade dos meios digitais, aliada à própria migração dos operadores tradicionais para a oferta neste campo, levam a que o consumo se processe cada mais on demand, no sistema de pay per view, devendo as estações de televisão encontrar ferramentas de atração do público, mas, também, de adaptação aos gostos estratificados, segmentados e afunilados dos consumidores digitais.

Quero ver o que quero ver, como, onde, quando puder e com quem me apetecer. Assim pensa o novo destinatário, e esta máxima aplica-se, naturalmente, ao segmento desportivo e, particularmente, ao futebol. O sinal aberto reconhece fidelidade apenas em momentos muito específicos, como jogos das seleções nacionais A de futebol (masculino e feminino), Jogos Olímpicos, Volta a França (de bicicleta) ou momentos muito especiais, com ligação afetiva e de engajamento sentimental ou clubístico.

Daí que todos nós, os que estão ligados a este fenómeno, estudando-o e aplicando as respetivas conclusões à prática comum, devamos refletir sobre os modelos a seguir. Generalizar, centralizar para distribuir proventos, poderá, em última análise, potenciar a canalização dessas receitas para antecipação de pagamento de despesas ou regularização de situações paralelas que, se não houver, da parte dos clubes envolvidos, uma estratégia de fundo, de médio e longo prazo, para mitigar essas situações, redundarão sempre em pano quente, em adesivo, em spray para evitar a dor do momento, mas nunca dispensando uma intervenção estruturada.

A operação televisiva segmentada será sempre o futuro, um pouco à semelhança do que já sucede com o incremento da rádio digital em detrimento das frequências convencionais. De resto, e neste particular, não haverá rádio linear dentro de alguns anos, passando toda a produção para o universo digital, com inevitáveis consequências positivas nos orçamentos e balanças de pagamento das estações de rádio.

Pois em televisão caminhamos para o mesmo cenário, global e universal, e a transmissão (com venda de direitos e preços astronómicos), de grandes competições desportivas internacionais apenas no universo digital é bem o exemplo disso.

Pretende-se, em Portugal, um cenário futuro que, por um lado, coarcte a possibilidade dos recursos advindos da negociação de direitos serem afetos a outras áreas de negócio das sociedades desportivas, num prisma de transparência, equidade, equilíbrio e justiça. E que, por outro lado, respeite as diferenças, identifique os públicos-alvo, as suas apetências, os seus registos de consumo, os seus métodos de acesso aos conteúdos.

Se não conseguirmos identificar esta ideia, congregar sensibilidades neste sentido, e procurar antecipar o futuro, continuaremos a cavar a sepultura de clubes e a envolver sob um nevoeiro denso as competições profissionais de futebol.

Cartão branco

Já aqui o sublinhei diversas vezes: é essencial que a arbitragem portuguesa de futebol volte a ter (pelo menos) um representante no grupo de Elite da UEFA, ganhando de novo peso institucional e prático, e possibilitando presenças em jogos de carácter decisivo nas competições internacionais de clubes e seleções. João Pinheiro teve um excelente teste esta semana, no Inter-RB Leipzig, da Liga dos Campeões. Foi, em San Siro, observado pelo neerlandês Bjorn Kuipers, o que, para quem segue de perto os meandros da arbitragem internacional, significa que está à beira da promoção à Elite. Merece amplamente, e Portugal também. Já agora, sempre adianto que a a avaliação do juiz bracarense por Kuipers foi extremamente positiva…

Cartão vermelho

Poucas vezes ouvimos ou lemos algo sobre ele, mas quando sucede, é quase sempre terrível. Renato Gaúcho foi um excelente jogador, é um bom treinador, mas, simultaneamente, revela uma imensa falta de tacto nos contactos com a comunicação social. Atualmente no Grêmio de Porto Alegre, não gostou de ser questionado em relação à continuidade no clube e disparou para os jornalistas: «Eu também sei onde moram e o que fazem as vossas mulheres e os vossos filhos.» Um nojo.