O treinador necessário

O treinador necessário

OPINIÃO01.07.202306:30

O selecionador nacional Roberto Martínez parece ser o ‘tal’ especialista comportamental

NO que me foi possível observar ao longo dos últimos jogos da nossa Seleção Nacional, registei comportamentos muito positivos dos jogadores em geral, mas principalmente do treinador Roberto Martinez. O que pode significar termos encontrado o reforço necessário para uma Seleção Nacional que, obviamente, só pode ter um objetivo: conquistar títulos ao mais alto nível europeu e mundial. 

Não faltando jogadores de elevada qualidade, urgia juntar-lhes o ‘maestro’ que lhes possibilitasse criarem um todo maior que a soma das partes. Aliás, no decurso desta minha observação recordei um antigo mestre que me dizia quando observava equipas e jogadores que lhe transmitiam a qualidade necessária e afirmava de imediato «temos treinador!». 

Queria ele expressar que se notava perfeitamente na observação daqueles jogadores e equipas a influência fundamental do treinador respetivo. Precisamente o que me aconteceu, ao sentir que temos o treinador necessário para as ambições que nos movem.

No exercício da sua profissão, um treinador está naturalmente envolvido por um diversificado e exigente ambiente sensorial. Com a agravante de, nesses momentos, a cada emoção sentida e respetiva reação biológica, psicológica, social, espiritual, etc., tal acontecer quase sempre em situações de grande pressão e exigência da maior eficácia possível. Cujo impacto nos jogadores ou na equipa pretende-se que seja potenciador dos respetivos processos de tomada de decisão.

QUANDO no desempenho da tarefa que me habituei a designar como ‘treinador do treinador’, ou seja, sempre que apoiei treinadores durante a sua prática diária, era esse o meu propósito. Conseguir ajudar o treinador a ser o mais eficaz possível através dos seus comportamentos e respetivos impactos nos jogadores e na equipa. Num desses momentos, via email, logo após uma derrota em que tudo parecia desmoronar-se, enderecei a seguinte mensagem ao treinador em questão: «Embora ontem tenhas sofrido mais uma derrota, tens toda a razão para, mesmo assim, estares satisfeito. Os sinais que a equipa transmitiu e, principalmente, o teu comportamento ao longo do jogo (com reflexos óbvios na equipa!), tal como o que disseste na entrevista após jogo, significam que estás a levantar-te após a queda, única maneira de verdadeiramente aprenderes a ter andamento de treinador eficaz.»

«E como quem joga são os jogadores e não os treinadores, após a excelente segunda parte que a equipa realizou, pude concluir também que passadas as habituais fases de algum conflito interno (até reconhecerem a tua autoridade), o coletivo começa a dar sinais de estar coeso e em breve entrar em pleno rendimento.»

«Entretanto, precisas focar-te em algo igualmente muito importante.»

«Numa equipa profissional todos necessitam perceber (quanto antes!) que, naturalmente, o treinador está investido de um poder formal que os restantes membros da equipa necessitam reconhecer. E para o conseguires tens de apelar à tua capacidade de influência e persuasão relativamente a todos os que participam na atividade diária da equipa.»

«Também necessitas saber delegar e fomentar influências que persuadam os jogadores e a equipa técnica a envolverem-se e enfrentarem os desafios da equipa como se fossem seus. Melhor dizendo, a tua responsabilidade, mais do que quero, posso e mando, necessita exercer a influência e a persuasão necessárias para apelar às emoções positivas daqueles que te rodeiam.» 

«Tal como tens de apelar a alguns dos jogadores em quem mais confias para (eles também!), influenciarem e persuadirem os companheiros de equipa para que vale a pena lutar por objetivos comuns e por um todo maior que a soma das partes.» 

«O futuro desta equipa que tens vindo a construir, naturalmente com altos e baixos, passa forçosamente, por uma cada vez maior complementaridade, cooperação e partilha entre os seus membros.»

«O que exige que o treinador tenha de saber ser, em simultâneo, influente e persuasivo e os jogadores nunca devem desistir de conquistar o poder de serem reconhecidos, (eles também!), como influentes e persuasivos na forma como contribuem para o coletivo.»

«Naturalmente, tudo isto coloca-te enormes exigências na área comportamental, pois será sempre no impacto da comunicação com os jogadores que conseguirás exercer de forma positiva o poder, influência e capacidade de persuasão que te vão ser constantemente solicitadas.» 

«Aprendemos e memorizamos através da formação de associações de células cerebrais que, pela repetição do treino (da experiência), reforçam a mielina que envolve os nossos neurónios e, uma vez aumentada essa mielina, memorizamos e adquirimos mais e melhor saber.»

«Melhor dizendo, ganhamos a sabedoria que habitualmente distingue todos aqueles que percorreram muitos quilómetros da estrada da vida sem medo de arriscarem experimentar, mesmo ainda sem dominarem em pleno o que experimentaram.»

«E atenção! Ninguém aprende a andar sem primeiro cair. Mais ainda! É na forma como reagimos à queda e nos levantamos, que na maioria das vezes reside a diferença marcante daqueles que se destacaram ao longo dos tempos. E ontem vi um treinador a saber estar e (principalmente!) a saber ser o que a equipa precisava naquele momento!»

PARA mobilizar a motivação dos jogadores, o treinador necessita possuir um saber ser emocionalmente convincente que lhe possibilite um impacto emocional positivo nos jogadores. Em minha opinião, foi isso precisamente que Roberto Martinez conseguiu ao longo dos jogos da Seleção a que já assisti. Neste último jogo em concreto, contra a Islândia, apesar das esperadas facilidades que nunca aconteceram (bem pelo contrário!), o treinador conseguiu manter a equipa focada até ao último minuto no objetivo de vencer. E conseguiu atingir a meta pretendida! 

Consoante as circunstâncias e o contexto do treino e da competição, pertence ao treinador estimular emoções positivas fundamentais como sejam, capacidade de superação, empenho, entusiasmo, foco e concentração constantes nos respetivos desempenhos. Numa cadeia de reações emocionais positivas que, apesar de acontecerem habitualmente de forma automática e inconsciente, devem ser reguladas pelo treinador através de um treino diário em contexto real.

REFERI anteriormente quanto os treinadores carecem por vezes de ter alguém que considerem o seu ‘treinador do treinador’. O que é afinal o ‘treinador do treinador’? Trata-se do acompanhamento e apoio a um treinador, com o objetivo principal de o ajudar a refletir e retirar conclusões acerca das vantagens e desvantagens das suas atitudes e comportamentos perante as diferentes situações relacionais com jogadores a nível individual ou a equipa em termos globais.

Ajudando-o a regular, tanto a sua felicidade no sucesso, como a sua tristeza e frustração na derrota. E consoante as circunstâncias e os contextos da sua profissão, preparando-o para as respostas comportamentais que se justificam em cada momento. Como consegui-lo?

«Treinando como se joga», através de um acompanhamento e observação que, enquanto o treinador trabalha ('on job'), lhe dá feedback ou questiona, ajudando-o a refletir acerca do impacto das suas atitudes e comportamentos nos jogadores e na equipa. 

Apoio esse que revela quase sempre uma enorme dificuldade.

Nem sempre o treinador a apoiar está preparado para assumir a utilidade de receber uma ajuda que pressupõe alguma exposição pública e um claro sair da sua zona de conforto. 

No exemplo que aqui utilizo através do meu feedback, o treinador então acompanhado manifestou sempre um enorme interesse, reagindo conforme o tipo de solicitação/estímulo que ia recebendo e procurando gradualmente melhorar a sua capacidade de adaptação às diferentes situações.

EM termos gerais, exige-se a um treinador que seja, merecedor de confiança, honesto, coerente, competente e preocupado com aqueles que dirige. Também ser capaz de influenciar e persuadir nas muitas e mais variadas situações relacionais em que está permanentemente envolvido. Ser um estimulador, que não se limita a simplesmente dizer, ou informar, mas que consegue ter impacto suficiente para impulsionar a vontade dos outros para aderirem ao que se lhes propõe. 

Não lhe basta verbalizar, informar ou procurar que os jogadores compreendam de forma cognitiva (consciente) o que pretende alterar. Necessita utilizar diferentes estilos de comunicação e liderança, consoante as circunstâncias, adaptando-se ao contexto social em que se encontra e demonstrando intuição social para identificar antecipadamente que efeito está a ter naqueles que dirige. Tem de prender a atenção (estimular), não pode permitir que os jogadores andem por ali indiferentes! Diria mesmo que tem de surpreender quanto possível! 

Por exemplo, quando menos esperam, não perder oportunidades para questionar individual ou coletivamente os jogadores, fazendo-lhes perguntas acerca dos objetivos que pretendem alcançar, para em seguida lhes mostrar que se contribuírem para os objetivos coletivos, também alcançam os deles. Ou, totalmente à revelia do que ‘é habitual ser feito num dia determinado’, fazer diferente, se possível para melhor, em termos de mobilização da motivação dos jogadores.

Concluo defendendo que a minha observação de Roberto Martinez me permitiu concluir que estamos perante o especialista comportamental que a nossa seleção nacional há muito necessitava.