O silêncio ajuda o racismo (sim, é sobre o vídeo de Enzo)
Seleção argentina entoou cântico racista durante os festejos da Copa América e a sanção terá de ser exemplar. Só Milei os defende (o que diz muito…), mas não é hora para silêncios do outro lado
O vídeo tem Enzo Fernández em primeiro plano, mas fica claro que muitos outros também estavam a participar na ‘festa’ no autocarro, após a vitória na Copa América. Vimo-lo num direto no instagram e provavelmente foi a única coisa que Enzo fez - sem querer - bem: mostrar ao mundo que o racismo e a transfobia ainda servem para comemorar vitórias desportivas, como se nada fosse ou se não percebessem o que estavam a dizer.
O médio pediu desculpas, a federação francesa queixou-se, o Chelsea e a FIFA vão investigar e alguns – poucos – jogadores negros, franceses e companheiros de equipa de Enzo Fernández denunciaram. De resto, silêncio.
Da federação argentina – que já desde a final contra a França no Mundial de 2022 devia ter condenado o cântico criado pelos seus adeptos -, nada. Dos outros jogadores em causa – salvos pela confusão do vídeo que não os permite identificar claramente -, nada. De Messi – capitão e craque mundial, cujas palavras fariam mais pela luta antirracista do que mil campanhas – nada. De outras figuras do futebol que não as vítimas do cântico, também nada.
Entretanto, já tivemos o clássico «Nós não somos racistas», até «vivem pessoas na Argentina de todo o mundo» (disse-o Mascherano) e o governo de Milei a defender «as verdades que não querem admitir» (disse-o a vice-presidente Victoria Villarruel), após ter despedido o subsecretário do Desporto (que tinha afirmado que Messi devia pedir desculpa). Mesmo na crença de que os jogadores argentinos são todos iletrados e inconscientes do que diziam, há sempre quem consiga usar isto para difundir discriminação e ódio.
Por isso, enquanto a desresponsabilização (e o racismo, já agora) se alastra(m), não há tempo a perder: os inquéritos têm de ser céleres e com as respetivas sanções. O futebol não pode ser lugar para estas palavras e atitudes e não há «excesso» nos festejos que o desculpe. Mas o que também já podemos e devemos refletir é se isso chega, quando uma coisa destas acontece à vista de todos e a maioria fica calada.
Porque o vídeo de Enzo é tão óbvio que já só Milei e os seus discípulos vêm dizer que não é racismo. Parecem irrelevantes (e racistas), mas ganham eleições. Não fazem falta, mas andam por aí. E o que nos faz falta mesmo era alguém que viesse dizer que é.