O regresso da coboiada
Se não houver meia dúzia de empurrões, socos e pontapés, que piada é que aquilo tem?
Nada como um fim de semana sem jogos na I Liga para regressarem as agressões a árbitros distritais. Mas caramba, a malta também tem que se entreter com alguma coisa, não tem? Se não houver meia dúzia de empurrões, socos e pontapés, que piada é que aquilo tem? Afinal de contas, macho que é macho não bebe leite: come a vaca.
Deve ter sido esse, pelo menos, o pensamento do treinador adjunto dos sub-17 do SC Farense, que no dérbi com o Portimonense - a contar para a II Nacional - terá dito para si mesmo: «Porque é que eu não vou até ali desferir um pontapé simpático no calcanhar do senhor árbitro, que até está de costas para mim, porque é minha intenção manifestar-lhe fisicamente o meu mais profundo desagrado por decisão que me pareceu deveras equivocada? (ndr: o senhor em questão foi expulso por ofensas dirigidas à equipa de arbitragem, pelo facto de ter sido exibido um cartão amarelo - e não vermelho, como desejava - a um jogador adversário).»
Se bem pensou, melhor executou. E assim, do nada, um profissional que até será competente e uma pessoa de bem manchou irremediavelmente uma carreira com um gesto que é, apenas e só, a expressão máxima de tudo o que queremos banir do desporto em Portugal.
Mas se foi assim na capital algarvia, já na AF Setúbal - que só esta época já teve meia dúzia de jogos à porta fechada (!) - a coisa foi ainda mais feia: o jogo de iniciados entre o Paio Pires e o Cova da Piedade acabou da pior forma, com imagens (felizmente gravadas) que roçam o surreal! E sim, eu disse «jogo de iniciados», ou seja, de miúdos com 13, 14 anos de idade.
Assim que a partida terminou, um dos meninos da equipa do Paio Pires perdeu o controlo e correu em direção ao árbitro para lhe bater. Foi agarrado por vários colegas e por outras pessoas que entretanto por lá apareceram, mas a insistência foi tanta que lá conseguiu dar um ou dois empurrões ao juiz da partida. O gesto dessa criança levou outra à imitação, obviamente. Depois, enfim, uma enorme confusão, chegando até a ver-se alguns graúdos (deduz-se que pais/adeptos) a seguirem o mesmo caminho, tentando alguns socos e pontapés. Foram momentos inenarráveis porque aconteceram num evento desportivo com jovens de tenra idade. Tudo o que nunca se espera ver num jogo «de formação» (escreve-se com duas palavras).
Se no primeiro exemplo, num jogo organizado pela FPF, houve um ato isolado e bem identificado, neste último foi tudo demasiado mau, dando a sensação que se tratava mais de uma rixa de gangues juvenis do que de um jogo de futebol.
No meio destas tempestades, uma palavra elogiosa para o «SC Farense», cujo presidente assinou comunicado repudiando o sucedido e reafirmando o seu compromisso com o fair-play. O agressor foi suspenso das suas funções enquanto decorrer o inquérito interno que lhe foi instaurado. Outra palavra, esta de alguma surpresa, pelo facto do Paio Pires FC, outro emblema que me merece respeito, nada ter dito publicamente até à data. Esperava-se condenação inequívoca do sucedido e demarcação total daqueles momentos absurdos.
Apesar de constantes alterações às leis realizadas pelo governo (o meu aplauso por isso), continuamos a assistir a demasiadas demonstrações de barbárie em palcos onde se espera o exato oposto. Se calhar ainda não fomos tão longe quanto devíamos e podíamos e aí o dedo acusador tem que ser apontado às instituições que, tendo responsabilidade na matéria, pouco evoluem em termos de regulação desportiva.
O certo é que quem bate e traumatiza alguém não pode nunca ter lugar naquela que é uma das melhores e maiores escolas de valores da sociedade. Se tem (ou continua a ter), a culpa não é só dela.