O que se leva desta vida
Uma candidatura à presidência de um clube como o Benfica é coisa extraordinariamente violenta para a pessoa que se candidata
Éuma das minhas notas biográficas favoritas no Twitter. O Twitter, caso o leitor não saiba, é uma rede social em estado avançado de putrefação que felizmente se encontra fora da dieta de conteúdo da maioria dos portugueses. Procurando bem, contudo, é possível encontrar um ou outro raio de luz. A nota biográfica - utilizada ali para uma pessoa dizer ao que vem, aquilo que melhor a define ou outra parvoíce qualquer - pertence ao Filipe Inglês, grande benfiquista das lides digitais e um dos autores do excelente podcast Benfica FM. Diz assim:
«Nascemos. Vemos o Benfica a ganhar uns campeonatos. Morremos.»
Uma leitura mais superficial pode considerar que, perante esta síntese, faltam ingredientes à nota biográfica do Filipe ou à vida dos milhões que sentem como ele, mas essa leitura está longe de ser correta. Eu entendo que estas três frases contêm um universo onde cabe a vida inteira, em especial a parte dessa vida que é dedicada ao Benfica. Na verdade não são apenas os campeonatos que vemos o Benfica ganhar, ou, como diz a sabedoria popular, não celebramos apenas esse destino. Saboreamos a viagem. E que viagem extraordinária tem sido.
A Grande Experiência Benfiquista faz-se de várias dimensões. A maioria está ao alcance de todos os adeptos, mas há algumas aventuras em que só uns poucos se metem. Esta semana apetece-me partilhar um pouco do que foi esse caminho e explicar porque é que foi tão importante, independentemente do desfecho. O Benfica já me deu muita coisa, mas ainda não me tinha dado a oportunidade de ajudar arduamente um candidato à presidência. Assim que o João Noronha Lopes se afirmou, e até ele deixar de ser candidato, fiz tudo o que entendi ser adequado para que lhe fosse dada a oportunidade de ser presidente do Benfica. Continuo certo de que teria sido o melhor para o clube.
Depois de há um ano ter recebido o apoio de quase 35 por cento dos sócios, João Noronha Lopes afastou-se das eleições de 9 de outubro
O objetivo do João e de quem o apoiou não foi atingido, mas sinto um enorme privilégio por ter feito parte desta jornada: em primeiro lugar, pelo João, que se deu a conhecer ao universo benfiquista em circunstâncias muitos exigentes, sem nunca abdicar da sua formação, do seu caráter, dos seus valores, e das suas convicções. Estas são qualidades que não aparecem escritas num CV, mas são as que a vida me tem ensinado a valorizar; depois, um privilégio porque me permitiu contribuir para a eleição mais participada de sempre na história do clube, e com isso ajudar - eu, todos os que participaram na campanha e todos os que votaram - a evidenciar uma vez mais a grandeza do Benfica. Finalmente, foi um privilégio também porque este momento na vida do clube pedia e pede um contraponto que saiba celebrar os sucessos desportivos, mas que continue a pugnar por um Benfica melhor. E se mais nada restasse do último ano, sobra isto: uma exigência renovada dos sócios do Benfica, corporizada pelo João Noronha Lopes na sua candidatura, mas também por muitos outros sócios, com especial menção para o incansável movimento Servir o Benfica. Essa exigência nunca será contrária aos desígnios do clube. Eu estive com centenas, talvez milhares de pessoas, no último ano, que são tão benfiquistas como quaisquer outros e só querem o melhor para o seu clube. Esta é uma pulsão de gente honesta, gente de bem que não precisa do Benfica para mais nada a não ser para lhe dar alegrias, gente que entende que o Benfica é grande mas tem que aspirar a ser maior.
O caminho percorrido fez-me gostar ainda mais do Benfica e dos benfiquistas, e gostar ainda menos de algumas coisas que, não sendo o Benfica, emanam de uma certa cultura instituída. Não sei se é evidente para todos, mas uma candidatura à presidência de um clube de futebol com a dimensão do Benfica, num país como Portugal, é uma coisa extraordinariamente violenta para a pessoa que se candidata e para quem está à sua volta. Só quem passa por isso ou quem convive de perto com essa realidade sabe o que isto implica. Esqueçam as necessidades financeiras de uma campanha. Isso é sem dúvida um obstáculo, mas está longe de ser o maior.
O grande obstáculo é este: a pessoa acha que sabe no que se está a alistar, mas a realidade supera as expectativas naquilo que tem de pior. Eu não posso nem quero fazer generalizações abusivas. Não sei se será assim nas próximas eleições ou em próximos momentos da vida do clube. Posso dizer aquilo que vi diariamente, na primeira fila, sempre que a candidatura do João Noronha Lopes ocupou de forma eficaz o espaço mediático:
- Escrutínio desprovido de escrúpulos;
- Calúnias repetidas até à exaustão;
- A ideia gasta de que quem aparece na vida do Benfica quer um tacho - quando aqueles que lá estão são, por vezes, os que melhor demonstram isso;
- Tentativas sucessivas de assassinato de caráter;
- Insultos quase diários nas redes sociais, que se repetem ao dia de hoje;
- Um submundo digital de personagens duvidosas e perfis falsos patrocinadas pelo clube;
- Uma estratégia de terrorismo comunicacional, seguramente financiada por alguém, que procura sempre diminuir o benfiquismo dos seus alvos;
Hoje, passado mais de um ano, continuo a ver os mesmos rumores absurdos e a mesma necessidade patológica de caluniar. Os mais cínicos dirão que isto é política, que faz parte. Eu digo que é repugnante. Muitos estranham agora que um candidato não vá a jogo uma segunda vez. Pois bem, eu contraponho: a maioria das pessoas nunca na vida irá a jogo uma vez que seja, se souber o que é bom para si. Gabe-se a coragem daqueles que se chegam à frente, mas fica o alerta aos que estão para vir. É também por tudo isto que a renovação do clube se torna vital. Nada do que eu acabei de descrever é digno do Benfica, mas muito do que eu descrevo aqui teve origem dentro do Benfica. E não estou certo de que tenhamos visto o fim destas práticas ao serviço de interesses instalados.
Eu compreendo que a decisão de não se candidatar deixe muitos sócios frustrados. Mas, independentemente da incerteza quanto às condições em que o próximo ato eleitoral se irá realizar, é compreensível que as circunstâncias pessoais e profissionais do João Noronha Lopes não permitam, desta vez, ir a jogo. Que o contexto tenha dificultado a adesão da massa crítica necessária para montar uma coisa tão trabalhosa, complexa e ambiciosa como uma candidatura, ou a campanha que se seguiria. Que o tempo seja muito mais escasso do que parece nestas coisas. Apresentar uma candidatura à presidência do Benfica não é algo que se faça de ânimo leve ou nos intervalos da nossa vida ocupada. É algo que se faz de corpo e alma, acima de tudo com verdade. Como o João sempre fez, contra ventos e marés. Não esperava que fosse diferente agora. Obrigado por isso.
Há quem dê o jogo por terminado, sentenciando a cidadania benfiquista de muitos como se o Benfica terminasse para estes devido a uma candidatura que não avança. Pior, há quem dê o tempo dos apoiantes por mal empregue porque não se chegou a bom porto. Desenganem-se. Em momento algum me arrependo de ter feito parte disto. Faria e farei tudo novamente. O que se passou no último ano é combustível para a cidadania benfiquista. É para isto que cá andamos. É isso que se leva desta vida. Nascemos. Vemos o Benfica a ganhar uns campeonatos. Morremos. Pelo menos é assim que eu vejo a coisa.