O plano 'POVE' de Viana
Livre e Direto é o espaço de opinião semanal de Rui Almeida, jornalista
Muito gostam os treinadores de falar no processo. Na realidade, é uma eufemística forma de defesa em relação às consequências práticas e diretas do mesmo: os resultados.
Uma e outra realidade, em alta competição, vivem de mãos dadas, e os principais clubes sabem-no, assim como os jogadores e os treinadores de topo. Depois, cada um tenta cumprir as suas funções e, muitas vezes, uns são apoio, outros são obstáculo, consoante os momentos, as necessidades e as opções tomadas.
Esta é a teoria que todos os que seguem o futebol internacional conhecem. Porém, a organização e estruturação de uma equipa profissional de futebol vai muito mais além, de modo mais transversal e universal e, evidentemente, com o compromisso como elemento definidor essencial a todos os intervenientes.
Costumo conversar com amigos e alunos a propósito de quatro elementos imprescindíveis, quais vetores-base do sucesso de qualquer projeto ligado ao futebol profissional, mas, na realidade, com pilares que são a sustentação de qualquer organização (por exemplo, também das empresas de media). Um plano POVE que, se seguido, pode não garantir resultados imediatos — às vezes há milagres que não surgem —, mas concentra todas as vertentes que conduzem aos resultados, sejam eles de natureza financeira, de engajamento e envolvimento, desportiva ou social.
O Planeamento é o primeiro elemento. Nada sem ele se consegue, tudo com ele se pode atingir. O planeamento de curto, médio e longo prazo, de acordo com os objetivos traçados, despistando oportunidades, definindo caminhos, tendo a plena consciência das dificuldades, sabendo, até, transformá-las em oportunidades. Uma espécie de análise SWOT adaptada a cada caso, a cada realidade e a cada meio, porque dessas variáveis e da sua correta radiografia prévia depende, em muito o sucesso futuro.
Para esta ideia de planeamento concorre também a experiência prévia dos protagonistas e dos dirigentes das estruturas envolvidas. É por isso que puxo Hugo Viana para a conversa de hoje convosco, porque me parece que o antigo internacional português é dos poucos operacionais, em Portugal, a cumprir por inteiro as condições e a ter noção exata desta componente.
O homem que agora estará quase a fazer as malas para um dos maiores emblemas ingleses (em substituição de Txiki Begiristain) leva consigo a bagagem de vários anos como praticante de alto nível, mas também de dirigente que, nos últimos quatro anos, quase na sombra, levou o Sporting à reconquista de alguma hegemonia ou, pelo menos, protagonismo no futebol português, com a vitória em duas ligas.
E se o Planeamento foi essencial, a ele está aliada a Organização. Uma organização que deverá observar algumas regras essenciais. Ser pequena em número e grande em coesão é uma delas. Um núcleo altamente qualificado, profissional e bem pago, fechado, com ramificações internas e cadeias de comando bem definidas, disponível para absorver influências exteriores, mas hermética quando se fecha para dar cumprimento às decisões.
A criação de uma estrutura humana de confiança é um dos primeiros passos que devem ser dados na perspetiva da qualificação da ação de uma equipa. E, neste caso mais específico, atendo-nos a uma equipa profissional de futebol, torna-se essencial perceber quem temos ao lado, quem nos pode ajudar a flexibilizar e harmonizar o processo de decisão. Viana, no Sporting, também o soube fazer, limitando mesmo a fase terminal desse processo decisório a três pessoas: ele próprio, o treinador Ruben Amorim e o Presidente Frederico Varandas.
Pergunta simples: qual foi o segredo mais bem guardado de um domínio claro e quase indestrutível do Manchester City no futebol inglês, e o seu ressurgimento no topo do futebol europeu? O terceiro ponto do plano: a Visão.
A resposta a várias outras perguntas resulta, justamente, na Visão global. No estabelecimento de valores basilares e identificativos, na capacidade de criar envolvimento com todos os stakeholders de um mercado cada vez mais complexo e permanentemente em evolução e ebulição, na vontade de estabelecer, desde logo, o compromisso comum de superação e de demarcação nítida em relação à concorrência.
Pôde, Hugo Viana, fazer esta pergunta há uns anos: que Sporting se pretende daqui a dez ou vinte anos? E começou a responder, utilizando exatamente as referências de Visão do parágrafo anterior, sempre secundado pela estrutura e envolvido com os players adequados.
Assim se chega à Estratégia, que envolve todos estes elementos. A Estratégia que levou o Sporting, robustecido na estrutura e engrandecido nas vontades, a um papel de destaque no futebol português dos últimos quatro anos, revivendo uma história que, embora com outro enquadramento, já havia conhecido episódios semelhantes.
A Estratégia que o Man. City pretende para o período pós-Guardiola, que se adivinha quase imediato no futuro do clube.
E o passado recente de Planeamento, Organização, Visão e Estratégia do Sporting e de Hugo Viana emerge naturalmente na primeira linha sucessória de Txiki Begiristain, tal como, evidentemente, emergirá Ruben Amorim no mais direto horizonte de rendição de Pep Guardiola.
Cartão branco
Despediu-se aos 49 anos, em plena época, sem pompa, mas com muita circunstância. O Moreirense e o Santa Clara cumpriram-lhe a honra de um corredor de aplausos, chorou, agradeceu, teve gritos de incentivo das claques dos dois clubes. É pouco? Para alguém com a humildade de Nuno Almeida talvez seja o suficiente dizer adeus a décadas de devoção e dedicação à arbitragem entre os seus, com jogadores, técnicos, adeptos e companheiros do apito abraçados num Obrigado tão valioso, ainda mais por ser tão raro. A ver se todos aprendemos a reconhecer quem merece.
Cartão amarelo
São 52 jogos, os que integram as terceira e quarta jornadas da Liga das Nações, nesta dupla data FIFA de seis dias. 52 encontros espalhados pelo continente europeu, outras tantas equipas de arbitragem nomeadas por Roberto Rosetti, o italiano que preside à Comissão de Arbitragem da UEFA e que, de resto, não se tem poupado a lançar árbitros do seu país nas principais competições do velho continente, seja de clubes ou de seleções. Pois nenhuma – repito, NENHUMA – das 52 equipas de arbitragem para a UEFA Nations League é portuguesa. Um desaforo de Rosetti? Sim, claro. Completa falta de lobby português? Também, obviamente.