O leão que fala Ubuntu
Para os zulus, da África do Sul, Ubuntu é uma filosofia de vida. «Eu sou porque tu és». Não existe o «eu», só existe o «nós». E não de diz «nós vencemos» mas sim «nós somos». Rúben Amorim pode não conhecer esta filosofia, mas seguramente que a pratica.
RESILIÊNCIA. Palavra que se popularizou nos anos da troika, mas usada de forma errada. O seu significado, em termos psicológicos, é a capacidade de enfrentar e superar dificuldades sem nunca desistir. Tem subjacente uma atitude proativa de quem enfrenta as dificuldades. Mas no tempo da troika, foi uma maneira mais erudita de dizer o que Fernando Ulrich, presidente do BPI, disse quando questionado se o povo aguentava mais austeridade: «Ai aguenta, aguenta.» Aqui já não é resiliência, é apenas resistência passiva. Rúben Amorim é um resiliente ativo. O caminho para o sucesso raramente é uma linha reta. Tem curvas, tem passos atrás, tem despistes. Tem atrasos. Mas pior do que o engano no caminho seria perder a referência de onde está o destino. Rúben enganou-se várias vezes, mas nunca perdeu o sentido de orientação. No fundo, cumprindo o literal significado da palavra resiliência, como vem no dicionário: «Propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação.»
UBUNTU é como a saudade: não tem tradução. Mas tem um significado e representa uma filosofia de vida. Filosofia muito ligada aos zulus, da África do Sul, e que, numa tradução livre, quer dizer «Eu Sou porque tu és». Uma filosofia que não concebe o ser humano como algo individual, autossuficiente. O ser humano só pode ser entendido num conceito de comunidade. A sua validação não depende de si, mas do grupo. O homem vence, porque os outros vencem. Vence porque a vitória foi pensada, desejada e orquestrada por todos. Não sei se Rúben Amorim está a par desta filosofia tradicional africana, mas não há verdadeiros campeões sem esta filosofia. Ele é campeão porque os jogadores são campeões. Num grupo assim, todos os verbos se conjugam na primeira pessoa do plural. Pensando em voz alta, talvez na filosofia Ubuntu não faça sentido «nós vencemos». É mais profundo que isso, é «nós somos».
BICAMPEONATO. Há sete décadas, no caminho para o tetra, que o Sporting não conquista o bicampeonato. Rúben Amorim assumiu-o como objetivo na festa do título, forma interessante de comunicar aos sportinguistas que vai continuar a ser o treinador do Sporting. Rúben e Sporting fazem um dos poucos casamentos perfeitos que existem no futebol. Como perfeito, temos a tendência de o considerar eterno. Mas a resposta está no Soneto da Felicidade de Vinicius de Moraes, que não tem ilusões de amores eternos, mas «que seja infinito enquanto dure».
ENTUSIASMO. Para Tryon Edwards, um dos principais teólogos norte-americanos do século XIX, «despertar interesse e inflamar o entusiasmo é o caminho certo para ensinar facilmente e com sucesso». Foi o que Rúben Amorim fez com um grupo de jogadores a quem conseguiu despertar interesse pelas suas ideias e em quem criou o entusiasmo suficiente para o seguirem. O entusiasmo é, numa equipa, muito mais do que combustível. É, mais do que o catalisador para o sucesso, o que torna a viagem inesquecível. O prazer começa no processo antes mesmo de chegar ao sucesso. É o entusiasmo que permita que nem tudo se perca. Mesmo falhando o objetivo, salva-se o prazer pelo caminho trilhado.
NOTÁVEL. Este Sporting pode chegar aos 90 pontos e conseguir a 2.ª melhor época da sua história em aproveitamento: 88,2% dos pontos possíveis. Melhor só em 1946/47, com 89.7%. Também nessa época os leões bateram o recorde ainda vigente de 123 golos marcados numa só temporada. E em apenas 26 jornadas. Fasquia fora do alcance, mas não a dos 100 golos. Seria a quinta vez que uma equipa portuguesa o conseguiria. Em 1946/47, o Sporting era treinado pelo inglês Robert Kelly. Foi o arranque da saga dos Cinco Violinos. Esta equipa pode não ter cinco violinos, mas tem uma orquestra bem afinada. E um grande maestro.
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