O início do fim

O início do fim

OPINIÃO14.11.202318:27

Tão grave quanto os socos e pontapés no Dragão Arena foi o silêncio de Pinto da Costa sobre uma das noites mais negras da história de um grande clube

As cenas de violência verbal e física que se registaram na noite e início de madrugada no Estádio do Dragão e no Dragão Arena tiveram tanto de deploráveis como esperadas. Nada do que se passou surpreendeu quem acompanha minimamente o fenómeno da bola e o modus operandi do FC Porto. 

Em mais de 40 anos à frente dos destinos do maior clube do Norte do país e um dos melhores da Europa, ao mesmo tempo que criou uma cultura vencedora Pinto da Costa também fomentou ódios de todo o género, como se uma coisa dependesse da outra, como se a afirmação de um emblema só fosse possível numa lógica de confrontação tribal, contra tudo e contra todos. 

Chega a ser penoso assistir, em 2023, a comportamentos que não diferem assim tanto de muitos atos nas décadas de 80 e 90 do século passado contra adversários, jornalistas ou com quem ousasse questionar o líder dos azuis e brancos. Só que desta vez o inimigo (palavra tantas vezes atirada para a frente como a cenoura para fazer andar o burro) veste as mesmas cores. De repente, a narrativa deixou de fazer sentido.

A história mostra-nos que a queda de todos os grandes impérios começa por dentro. É isso que parece estar a acontecer na Invicta. É bom lembrar que nas eleições de 2020 e em plena pandemia, o advogado José Fernando Rio conseguiu, sem qualquer estrutura e apenas com um discurso racional, apontando para os buracos que já estavam à vista na nau, atingir quase 30 por cento dos votos. O sinal estava dado. Mais de três anos depois, com contas desastrosas e sem a gravitas do passado, Pinto da Costa deverá ter, em 2024, um adversário como André Villas-Boas, que reúne tudo aquilo que o FC Porto não tem atualmente: um horizonte de modernidade. Tão grave quanto os socos e pontapés do Dragão Arena foi o silêncio, cúmplice, do presidente do clube, refugiando-se num comunicado onde se faz referência, pasme-se, à «cultura democrática». Se há coisa que não desaparece é o famoso sentido de humor refinado de PdC.

A «noite negra» no Dragão, para citar Villas-Boas, aconteceu não muitos dias depois do comportamento vergonhoso de uma minoria de adeptos do Benfica que deflagaram tochas no estádio da Real Sociedad, em San Sebastián, chegando ao ponto de interromper a partida, poucas horas depois de muitos deles terem participado em lutas de rua com ultras espanhóis. Ainda não se sabe qual será a pena aplicada pelo hooliganismo dos benfiquistas, admite-se apenas que a UEFA deverá ter mão pesada (as águias podem vir a ter de jogar à porta fechada nas competições europeias), o que expõe mais uma vez um problema das Direções do grandes clubes portugueses. Uns por pouco ou nada fazerem, outros porque transformaram as claques em aliados, o radicalismo continua a tomar conta de muitos acontecimentos oficiais dos emblemas em causa.

Mas se nos jogos oficiais, apesar de tudo, ainda há alguma capacidade de controlo, numa Assembleia Geral a conversa é outra, permitindo-se o uso de poder descricionário de quem não quer perder o status quo

Há 25 anos lembro-me de estar a cobrir uma Assembleia Geral do Benfica no tempo da Direção de Vale e Azevedo e de o presidente à data virar-se para os adeptos e dizer o seguinte: «Sabem de quem é a culpa dos problemas do nosso querido clube? São destes senhores!» Os «senhores» eram os membros da imprensa, sentados numa mesa lateral, que por muito pouco não sentiram fisicamente a ira que sócios como Rui Gomes da Silva, Torres Couto e outros foram vítimas em Assembleias Gerais vulcânicas. 

Como exercício de curiosidade, recordo-me de ter perguntado a muitos benfiquistas, nos anos seguintes, se tinham votado em Vale e Azevedo. Tirando uma ou outra exceção, todos disseram que não. O espírito de sobrevivência leva muitas vezes o ser humano apagar certas imagens da memória e talvez daqui a 25 anos não haverá ninguém a admitir ter participado numa AG do FC Porto que ficará para a história, muito provavelmente, como o início do fim de um reinado.