O duro exercício que Martínez terá de fazer
Roberto Martínez observa ao longe Cristiano Ronaldo e Francisco Conceição já no final do encontro com a Chéquia (IMAGO / HMB-Media)

O duro exercício que Martínez terá de fazer

OPINIÃO21.06.202409:00

Estratégia revelou-se incompleta diante dos checos e há dinâmicas e até nomes a rever para que resulte. Recheada de talento, a Turquia vai fazer disparar o grau de dificuldade

Do triunfo, sofrido, diante da Chéquia sobraram uma estratégia incompleta e vários dilemas. O 3x3x1x3 de Roberto Martínez garantiu a Portugal o controlo absoluto durante 45 minutos, ao posicionar bem os jogadores para a reação à perda com um 4x3 no meio-campo, embora ofensivamente não se tivessem encontrado os caminhos certos para a baliza adversária, falhando o aproveitamento da superioridade numérica alcançada. O intervalo não fez bem à Seleção, que surgiu mais desligada, e os checos aproveitaram e marcaram, trazendo de novo à luz uma das fragilidades detetadas nos últimos jogos: a incapacidade revelada para proteger os espaços à entrada da área. O foco esteve, mais uma vez, quase todo na bola, esquecendo-se o espaço. Há um trabalho importante a fazer nestes momentos, sobretudo a nível da concentração.

O selecionador terá ainda de olhar para as escolhas feitas para o modelo desenhado. Se este fez sentido, e não encontro nada que o torne inválido a curto, médio ou longo prazo, será necessário perceber por que razão João Cancelo, mais médio interior do que lateral-esquerdo, e Nuno Mendes, surpreendente central também por esse lado, não brilharam intensamente. Ou seja, individualmente, as soluções não terão tido o impacto que se esperava em termos de rendimento. Cancelo não aproveitou para transportar a bola e causar o caos à entrada da área, fosse com o passe de rotura ou com o forte remate de que dispõe, e Nuno Mendes também não se sentiu confortável para quebrar linhas e ajudar a empurrar os checos para trás.

No entanto, a análise individual não deverá ficar por aqui. Apesar de uma ou duas arrancadas, Rafael Leão foi quase sempre inconsequente e inócuo diante do bloco baixo contrário e o próprio Cristiano Ronaldo se apresentou assíncrono, ou seja, atrasado em relação aos movimentos do resto do conjunto.

Será crucial ainda tentar perceber porque os quatro médios (Cancelo, Vitinha, Bruno Fernandes e Bernardo Silva) não conseguiram abrir brechas na defesa checa. Parte terá sido talvez pela incapacidade do lateral feito centrocampista em assumir as roturas e o drible na altura certa, porém houve também passes a mais e poucos movimentos sem a bola. Não são todos demasiado parecidos? Não faltou outro tipo de perfil, capaz de atrair ou atacar mesmo a pouca profundidade existente?

A seguir, virá certamente o olhar para a Turquia, cuja soma do talento individual ultrapassa largamente o da República Checa, que tem em Patrick Schick e em Soucek os elementos com mais argumentos. Por sua vez, o conjunto liderado pelo italiano Vincenzo Montella conta com Hakan Çalhanoglu, o maestro do campeão transalpino Inter, os talentosos Arda Güler e Yildiz, ainda em fase de maturação respetivamente no Real Madrid e na Juventus, o benfiquista Kokçu como 10 sempre à procura do passe decisivo, as grandes figuras do Galatasaray Baris Yilmaz (ponta de lança) e Ayhan (médio), e ainda soluções como o extremo Aktürkoglu, o lateral Celik, o central Demiral, e os médios Kahveci e Yuksek.

Com a perspetiva da qualificação aberta, dificilmente a Turquia irá baixar tanto as linhas como os checos fizeram. Tal permitiria algum espaço para a transição, embora também seja natural esperar maior contenção por parte dos homens de Montella, face ao natural favoritismo, que não deixa de ter de ser provado em campo, por parte da equina das quinas e ainda pela sua nova identidade, que obriga a controlar e a dominar as partidas com bola. Os turcos não levarão a mal essa predisposição lusa e até a aceitarão de forma natural, porque sabem que têm explosão do meio-campo para a frente e homens que a podem potenciar.

O ideal para Martínez seria afinar o modelo e fazer alguns ajustes, contudo em plena competição não há tempo. O melhor que conseguirá é que os quatro do meio-campo não se atropelem ou sobreponham no terreno. Definir melhor os movimentos, pedir-lhes que tentem outros sem a bola será fundamental para que as peças encaixem melhor. No entanto, o técnico também pode encontrar dentro do grupo futebolistas que, nesta fase, assentem melhor no modelo. O problema é que, até às 17h00 de sábado, não saberá bem o que esperar da Turquia no que ao posicionamento do bloco diz respeito.E isso terá sempre influência nas decisões do espanhol.

Há ainda a questão física e o desgaste acumulado. Todavia, com um grupo com tanta qualidade, Roberto Martínez tem de sentir a necessária confiança para procurar novas soluções. Ou para tê-las preparadas se precisar de lançá-las de um momento para o outro. Uma destas até poderá ser Diogo Jota, que entrou bem na estreia, tem golo e pode estar perto e beneficiar do trabalho do ponto de lança, seja este Cristiano Ronaldo ou outro. O momento de Leão faz de imediato pensar nele como solução. Tal como em  João Félix, que tem valências únicas e, apesar da inconstância, poderá ser muito útil à Seleção. Ou mesmo Pedro Neto, que dispõe de argumentos tanto para o ataque posicional como para o futebol de transições.

A questão de Nuno Mendes também será certamente analisada. Gonçalo Inácio poderá colocar-se em bicos de pés para que reparem nele, porém valerá a pena desistir ao primeiro revés? Se Cancelo é arma para o meio, como foi testado nos particulares, alguém terá de dar largura, porque Leão, Jota ou Félix virão sempre para dentro. O que parece faltar é uma dinâmica que permita a Nuno Mendes assumir um papel híbrido, por dentro e por fora, dê finalmente força à superioridade numérica, e garanta largura. O exercício não é nada fácil de resolver, señor.