As memórias de.... Vítor Cândido: O 'doutor do futebol'
Alexandre Baptista era um jogador completo. Boa compleição física. Alto, elegante, com capacidade técnica e boa leitura de jogo
Mais uma baixa no plantel das grandes figuras do futebol português. Alexandre Baptista, histórico defesa-central do Sporting, campeão nacional e vencedor da Taça dos Clubes Vencedores de Taças. Também titular da Seleção Nacional dos Magriços que se classificou em terceiro lugar no Mundial-66, em Inglaterra. Faleceu no início de março, aos 83 anos.
Que tristeza. Era um jogador completo. Boa compleição física. Alto, elegante, capacidade técnica e boa leitura de jogo. Muito calmo, a jogar limpo. Sempre correto, dentro e fora do campo. Era um gentleman. Começou aos 15 anos nos principiantes do Sporting, único clube que representou.
No futebol juvenil foi avançado-centro e depois médio. Andou algum tempo a jogar pelas reservas. Nos anos 60, quando as reservas eram apelativas. O campeonato regional da AF Lisboa, no sábado à tarde, tinha milhares nas bancadas do Estádio José Alvalade ou Estádio da Luz.
O Sporting e o Benfica apresentavam jogadores de categoria, capazes de integrar a equipa principal. Porque nesse tempo não havia substituições (só jogavam os onze titulares), os outros exibiam-se nas reservas. Lembro-me de ver o Alexandre Baptista (já então como defesa-central) a marcar o gigante José Torres. Curiosamente, no primeiro time, viria a assumir a titularidade a partir da célebre eliminatória com o Manchester United (5-0, em Alvalade), formando dupla de sucesso com o seu compadre José Carlos.
Teve uma carreira brilhante. Que acabou prematuramente. Devido ao cumprimento do serviço militar. Em 1971 o Sporting ofereceu-lhe renovação do contrato. Mas, por causa da Guerra Colonial, Alexandre Baptista (que, a seu tempo, já tinha cumprido o serviço militar obrigatório) voltou a ser chamado para a tropa. Aos 30 anos. Porque havia falta de oficiais, foi fazer o curso de capitão do exército e, de seguida, embarcou para Angola. Estava em Luanda quando se deu o 25 de Abril.
Natural do Barreiro, aos 9 anos veio para Lisboa e, na sua juventude, jogava futebol mas também pingue-pongue e voleibol. E praticava atletismo. Era um desportista eclético, um atleta de eleição. Era vizinho e pertencia ao grupo do Fernando Mendes, na zona do Liceu Camões, junto ao Matadouro (Saldanha). Conseguiu sempre conciliar o futebol com os estudos. Licenciou-se em Económicas e Financeiras.
Naquele tempo, Alexandre Baptista era uma referência para os rapazes do futebol juvenil do Sporting. Os dirigentes davam-no como exemplo de atleta e de estudante. Era o doutor do futebol. Porque tirou um curso superior. E não era fácil. Muito raro um jovem futebolista seguir os estudos. Ir para a universidade… Só na Académica de Coimbra. Como aconteceu com o Artur Jorge, também conhecido como intelectual ou doutor do futebol, outro da geração dos anos quarenta, que nos deixou recentemente.
Recordo que a vida social do Alexandre Baptista foi muito badalada nos jornais e na RTP (canal único) por ocasião do seu casamento com a bela Cacilda (atleta do Lisboa Ginásio), campeã nacional de ginástica aplicada. Era mesmo um casal modelo. Ainda não havia revistas cor-de-rosa (só a Flama) mas o matrimónio de um futebolista internacional do Sporting com uma ginasta famosa foi motivo de destaque na comunicação social.
Em 1984, no último mandato de João Rocha, Alexandre Baptista foi dirigente no futebol do Sporting. Por pouco tempo. Os seus afazeres profissionais não lhe davam tempo para uma função tão exigente. Era diretor financeiro da RAR, empresa dos açúcares sediada no Porto. Quantas vezes lhe liguei a pedir informações…
A nossa amizade foi reforçada nos últimos anos por causa das várias reportagens que fizemos para o programa Memórias, de A BOLA TV, sobre os jogos do Sporting na conquista da Taça das Taças de 1964. E, mais recentemente, nos programas Eu lembro-me de ti e Porta 10-A, que gravámos para o canal Sporting TV. Recordo, com emoção, as palavras do Alexandre Baptista quando se referia à conquista da Taça das Taças. «Já passaram mais de 50 anos desde que ganhámos essa única competição europeia do futebol. É uma tristeza verificar que muitos dos meus companheiros já cá não estão. Temos que manter a esperança do Sporting voltar a ganhar uma prova da UEFA. E que seja em breve… para nós assistirmos», dizia.
Afinal, um desejo que não se concretizou em vida. O Alexandre partiu. Logo agora que tínhamos combinado gravar programa de comemoração dos 60 anos do Sporting-Man. United (5-0). Nesse dia lembrar-me-ei de ti. E do Carvalho. E do Mascarenhas. E do Osvaldo Silva. E do Geo. E do Fernando Mendes. E do Morais. Grandes leões. Descansa em paz!