O dia em que Pepe morrer
Incrível o corte de Pepe na luta com Thuram (IMAGO)

O dia em que Pepe morrer

OPINIÃO07.07.202419:30

Pepe diz que jogar assim aos 41 anos é fruto de muito gelo. Se fosse tudo tão simples, os esquimós não teriam artroses nem roturas

O dia em que Pepe morrer, esperando nós que seja daqui a imensas dezenas de anos, será um dia triste para quem o ama, mas será bastante interessante para a ciência. As razões são óbvias e simples: o corpo dele poderá fornecer dados até agora desconhecidos sobre o envelhecimento e a geriatria desportiva (inventei agora o termo). Aquilo, meus caros, não é normal. Chegar aos 41 anos, 4 meses e 8 dias e arrancar uma jogatana daquelas frente a França, apenas cinco dias depois de 117 minutos igualmente imperiais com a Eslovénia, não é fruto, apenas e só, como sugeriu Pepe, de muito gelo nos músculos e nas articulações para a recuperação ser mais rápida. Se assim fosse, os esquimós não teriam artroses nem roturas musculares.

O Campeonato da Europa que Pepe arrancou é impressionante, mas ainda mais impressionante é Pepe ser assim há, pelo menos, duas décadas e quase 900 jogos. Aquilo é gelo, mas é mais do que gelo: são genes preciosos fabricados em Maceió, um amor infinito ao futebol e um profissionalismo que andará perto da perfeição. Aquele pique (perdido) atrás de Thuram seguido de corte (fantástico) pela linha de fundo só é possível se um homem de 41 anos se cuidar como poucos e que tenha mentalidade à prova de bala. E Pepe tem e sempre teve. Imagino o dia em que alguns cientistas, lá pelo final deste século (sim: Pepe vai ultrapassar os 100 anos), comecem a investigar, digamos assim, o corpo do então centenário luso-brasileiro: oh meu Deus, este coração é o coração de um homem de 40 anos; oh, meu Deus, os pulmões ainda estão tão rosadinhos.

Portugal realizou 35 jogos oficiais com Espanha, Itália, Alemanha e França, as quatro Seleções campeãs da Europa por mais de uma vez. Ganhou 5, empatou 11 e perdeu 19. Marcou 29 golos e sofreu 59. Imensamente sofrível para ser sempre candidato. Se reduzirmos o espaço temporal aos últimos 30 anos (1994-2024), encontramos 25 jogos com Espanha, Itália, Alemanha e França: 4 vitórias, 9 empates e 12 derrotas. Marcou 19 golos e sofreu 31.

Houve melhoria nos últimos 30 anos, sim, mas quase insignificante: de 0,74 pontos por jogo para 0,84. Mesmo tendo, entre 1994 e 2024, alguns dos melhores jogadores da história, como Futre, Figo ou Ronaldo, por exemplo. E só por duas vezes (3-0 à Alemanha no Euro-2000 e 3-3 com a Espanha no Mundial-2018), marcou mais de dois golos a estas quatro potências europeias. Facto indesmentível: Portugal é ótimo a golear Liechtenstein, Luxemburgo, Bósnia, Islândia, Eslováquia, Andorra, Ilhas Faroé ou Lituânia e péssimo a ganhar a Espanha, Itália, Alemanha e França. É coisa para ser mesmo medo. Nos últimos 30 anos Portugal realizou os tais 25 jogos com as quatro mais fortes Seleções da Europa. Os Países Baixos (Seleção do nível de Portugal) realizaram 48. Quase o dobro. E ganharam 11. Praticamente o triplo de Portugal. Dá que pensar, não dá?

Dá que pensar, igualmente, Ronaldo ter jogado 95% dos minutos dos cinco jogos de Portugal. Não estava cansado, pois. Se não estava, deveria ter regressado a Portugal com o grosso da comitiva. Capitão que é capitão é capitão nos bons e nos maus momentos.