O dérbi em 4 ideias, todas desfavoráveis ao Benfica
Encarnados não deixaram de ser candidatos com a derrota em Alvalade, mas voltaram a mostrar fragilidades que não são de hoje e que ultrapassam o que se passa em campo
O Sporting venceu o dérbi e volta a respirar de uma forma mais tranquila, ao olhar para um horizonte um pouco menos carregado. O leão passa o ano no trono, embora tenha de dividi-lo com o FC Porto, apesar da vantagem parcial no confronto direto, e com mais dois pontos do que o Benfica.
Após o final do grande encontro, há que concordar com parte da leitura de Bruno Lage: os leões não embalaram ainda aqui para o título e, pela forma como venceram – oferecendo o domínio ou pelo menos essa ideia de domínio na segunda parte ao grande rival, que teve uma ou duas oportunidades para o empate –, o impacto do seu desfecho numa equipa que soube ir-se consolidando e escondendo limitações como a das águias será praticamente nulo. Ou deveria sê-lo.
Rui Borges entrou a vencer e era importante fazê-lo, a fim de conquistar jogadores e adeptos. Consegui-lo num dérbi ainda devolve mais confiança a ambos. Claro que João Pereira também se estreou com um triunfo, todavia, do outro lado estava o frágil Amarante e pouco daí se pode extrair em termos de moral.
Ao fim de três dias, era impossível para Rui Borges fazer melhor, porém a dúvida não desapareceu: é possível o novo Sporting dar aquela sensação de conseguir tocar o céu como o de Ruben Amorim? Porque a esse já só lhe faltava encomendar as faixas, tal a superioridade que vinha a demonstrar. O atual ainda tem muito a provar e os adversários já lhe farejaram o sangue.
O novo técnico escolheu um trajeto e assumiu-o desde o primeiro dia. Isso diz algo da sua personalidade e capacidade de liderança. Na verdade, a ideia também se deve aplicar a Bruno Lage, nas duas vezes em que pegou no Benfica, primeiro após Rui Vitória e agora a seguir a Roger Schmidt. Em ambas, escolheu rapidamente o caminho e seguiu em frente. Isso também é personalidade e liderança. Não se pode dizer que nas suas situações tenha falhado em convencer atletas e as bancadas. Só que, para já, no duelo entre os dois enquanto líderes de um grande, sorri o mais inexperiente.
Isto dito, o dérbi de Alvalade deste domingo resume-se a quatro grandes ideias: o efeito surpresa, a «primeira parte de avanço», a diferença individual e a estagnação. E todas estarão mais ou menos relacionadas entre si.
O efeito surpresa vs. preparação
Com mérito, Rui Borges escondeu o jogo e, como bom líder que projeta ser, fez das fraquezas força. O 4x2x3x1 ou 4x4x1x1 que projetou para o dérbi surpreendeu Bruno Lage, que demorou tempo a mais a ajustar, denunciando nesse momento que não tinha sido um cenário preparado. Precisou do intervalo. Até mesmo a colocação de Zeki Amdouni, a sua cartada-surpresa, parece ter sido jogada para não dar referências aos três centrais que Rui Borges iria, supostamente, manter dos modelos antecessores.
O equilíbrio encontrado com alas enquanto extremos, à frente de centrais que passaram a ser laterais (Matheus Reis com maior rotação no lugar do que Quaresma, um dos melhores em campo), foi fundamental, mesmo que nem sempre tenha sido explorada a projeção pela esquerda, com Quenda mais perto da linha de Gyokeres, ainda antes das zonas de finalização.
A defender, os extremos passaram a condicionar os laterais encarnados nas subidas até à área, ativando uma pressão que se estendia a outros locais no terreno e colocava o Benfica numa situação desconfortável.
Os desequilíbrios surgiam mais do lado contrário, sobretudo a partir do momento em que começou a descobrir Trincão atrás de Kokçu (continua a passar ao lado dos jogos no plano defensivo) e este se pôde juntar ao endiabrado Geny Catamo, que ganhava e perdia duelos com Carreras, mas aproximava sempre os leões da baliza de Trubin, a dizer presente perante os maiores problemas.
A diferença individual entre sérios candidatos
O Sporting teve o domínio da primeira parte e as melhores oportunidades (Quenda e Gyokeres obrigaram Trubin a excelentes defesas; mas Israel também evitou festejos de Kokçu no livre direto), porém o golo chegou sobretudo por culpa da individualidade e essa, no Sporting, tem um nome: Gyokeres.
A abordagem de Tomás Araújo é péssima, todavia, piora ao não fazer a falta. Aliás, o central dos encarnados tem outro momento na segunda parte, com Geny, em que calcula a jogada como se já tivesse esse amarelo. Não pode. É um aspeto em que ainda tem de evoluir. Não foi o central sereno e calmo que tem sido, e tem a desculpa de ter falhado perante alguém de grande qualidade, contudo, é nestes momentos que não pode ser misericordioso. Tem de ser contundente. Implacável. Como um central deve ser.
A diferença individual entre leões e encarnados não esteve só em Gyokeres, nem é de hoje. Até aquele que mais se tem destacado na era Lage, Akturkoglu, atravessa uma quebra há várias jornadas. Depois, na capacidade de drible, de vencer duelos pelo talento, há um desnível há bastante tempo. O turco chegou para o lugar de Neres e continua a ser curto, porque Di María já praticamente é só definição e Amdouni mobilidade e finalização.
Se compararmos até o meio-campo de cada emblema, há mais dimensões na individualidade de Hjulmand e Morita do que os comparáveis Aursnes, Florentino e Kokçu. O dinamarquês é desarme, mas também é posse, transporte e meia-distância, enquanto o japonês é posicionamento com ou sem bola, a defender e atacar. Aquele que mais se aproxima de alguém com várias dimensões do lado das águias é o norueguês. Kokçu é um problema sem bola, Florentino está longe de a saber transportar. Rollheiser, que poderia dar outra expressividade ao miolo das águias, ainda não se conseguiu afirmar.
A tal 'primeira parte de avanço'
Bruno Lage deveria aqui ouvir mais os seus jogadores. Tanto Otamendi como Di María falaram numa primeira parte dada de avanço ao Sporting, ideia que o técnico tentou contrariar na conferência de Imprensa.
Ao contrário do jogo com o Bolonha, em que acredito que o Benfica tenha precisado de tempo para encontrar referências e crescer com os acertos feitos com o passar dos minutos, aqui há algo que me leva a crer que os jogadores têm razão.
Os encarnados não chegaram a Alvalade dispostos a impor o seu jogo, a dominar territorialmente e a jogar declaradamente ao ataque. Não quiseram assumir o favoritismo que lhes era dado ou sequer aproveitar a instabilidade natural que vinha do outro lado. E isso pode ter a ver com Lage, com a abordagem ou com a mensagem. Para os adeptos, o que faltou foi aquilo que entendem como jogar à Benfica.
É verdade que a ambição em excesso pode ser penalizada, porém aqui a passividade permitiu aos leões começarem melhor e gerirem depois a partida. Também o técnico esperou demasiado tempo a ajustar, a fim de dar mais conforto à equipa.
A estagnação por falta de rumo
Há muito que o Benfica se sente muito desconfortável quando é pressionado. É verdade que a saída melhorou com Tomás Araújo e esta nova versão de Carreras, contudo, a partir do momento em que estes são anulados (Gyokeres a pressionar o português e Geny a cair sobre o espanhol; sobrando Trincão para Otamendi e Quenda para Bah), tudo se complica.
Depois, Florentino e Aursnes também rapidamente se sentem acossados e sobra Kokçu. Lage demorou demasiado tempo a corrigir no dérbi e, quando o fez, os encarnados passaram a controlar. Barreiro ajudou a incomodar os leões, o turco deu critério no primeiro passe. Faltou depois essa clarividência mais perto da baliza de Israel.
No mercado, o Benfica está há muito tempo preocupado com os avançados-centro – algo que os adeptos voltaram a reclamar depois do dérbi – e pouco com o resto. Com a falta de centrais modernos, médios com critério e avançados fortes no 1x1. É onde parece haver uma falta de rumo que, por seu turno, os rivais há muito estabeleceram, com poucas falhas e vários sucessos.
A conclusão que fica após um dérbi equilibrado
Vem aí janeiro e se o Sporting não parece estar muito dependente do mercado, a não ser na questão dos laterais e mesmo com a exibição de Quaresma – contextualizada num jogo de grande grau de dificuldade, mas cuja projeção ofensiva não foi necessária –, o Benfica parece deste depender para dar outra dimensão à equipa, mesmo que o dérbi tenha sido equilibrado e a atual se mantenha como candidata ao título.
No entanto, mais do que grandes ou muitos nomes, na Luz o que mais é necessário é um plano. Talvez os dirigentes devam voltar ao básico e fazerem a tão necessária introspeção: mesmo que possa, em última análise, ser utópico, que plantel o clube deve ter daqui a três, quatro ou cinco anos?