O caso inspirador de Tomás Araújo

O central que precisou de sair da zona de conforto e melhorar naquilo em que António Silva era melhor que ele. Nem todos podem ser Rúben Dias ou Gonçalo Inácio

Guarda-redes e defesas centrais devem ser as posições mais sensíveis de gerir na formação dos grandes clubes. Devido à diferença de valor, qualidade e condições (entre treinar todos os dias ou apenas três vezes por semana, por exemplo), vemos na distrital de Lisboa (a realidade que conheço melhor) ou nas competições nacionais a superioridade dos clubes de maior dimensão sobre os demais nos escalões jovens, em que o processo ofensivo tende a ser mais valorizado ou, pelo menos, mais sistematizado em função do volume de jogo – simplesmente porque repetem mais vezes os movimentos e dinâmicas.

As equipas B e sub-23 vieram dar uma ajuda cá em cima, mas ainda se nota o défice competitivo nos guardiões e centrais por falta de maior exposição ao erro. Ainda recentemente um treinador recordava-me que os guarda-redes da formação dos grandes jogam melhor com os pés do que com as mãos porque aprendem muito sobre a integração do processo de construção e dedicam-se menos àquilo que no fundo é a sua primeira exigência: defender. Só o fazem nos treinos.

E depois há a questão do perfil: aqueles que têm uma capacidade de adaptação muito rápida à subida de exigência e outros que precisam de passar por um processo de transição. Podemos apontar o exemplo de Diogo Costa na baliza do FC Porto ou Rúben Dias e Gonçalo Inácio no eixo defensivo de Benfica e Sporting, respetivamente: foram crescendo à medida que iam caminhando. São fortes tecnicamente, sim, mas tão ou mais ao nível mental. A diferença está aqui.

Mas nem todos são iguais e não é por causa disso que haja maior perda a médio ou longo prazo. Basta olhar para António Silva e Tomás Araújo no Benfica: Silva foi um caso de sucesso no futebol sénior com Roger Schmidt ao passo que Araújo precisou de sair da sua zona de conforto. Mas quando olhamos para o percurso entretanto feito por ambos chegamos à conclusão de que António Silva cresceu menos do que se esperava (não consegui vislumbrar evolução na época passada face ao ano anterior) e Tomás Araújo melhorou, e muito, com o empréstimo ao Gil Vicente, afirmando-se hoje como um titular absoluto nas águias. Com inteira justiça.

O ano que passou em Barcelos fez muito bem a Araújo porque ali aprimorou o que lhe faltava em comparação com o colega de setor: a capacidade de estar permanentemente ligado ao jogo, alinhando desta vez no lado do mais fraco e não do mais forte, sendo constantemente posto à prova. E ao erro. Em boa verdade, o 44 dos encarnados passou por uma etapa semelhante à de centrais como Jorge Costa ou Ricardo Carvalho que por uma ou outra razão tiveram de sair para ganhar calo – ou, para dar um exemplo mais recente e numa outra escala, o caso de Eduardo Quaresma no Sporting, que perdeu muitas fragilidades após cedências a Tondela e Hoffenheim e em certo período da época passada assumiu-se como titular de Ruben Amorim.

Só o tempo dirá se o sucesso de Tomás Araújo no Benfica é momentâneo ou prolongado, mas não há dúvidas de que a curva de aprendizagem é elevada, defendendo bem frente aos fortes e atacando bem (o que o diferencia de António Silva) diante dos mais fracos. É cedo para adivinhar qual deles terá o futuro mais risonho, mas não estaremos enganados se dissermos que o perfil de Araújo se enquadra mais no futebol de uma equipa que gosta de dominar a partir de trás e Silva encaixa como uma luva num modelo à base de transições, tal como Schmidt gostava. Mas o mesmo Schmidt que fez tudo para não deixar cair Tomás Araújo. Bruno Lage está a aproveitá-lo.