O candidato 'inteiro'
'Livre e Direto' é o espaço de opinião semanal do jornalista Rui Almeida
O candidato ideal tem sempre de ser um candidato inteiro. Partamos deste princípio, e tudo será mais fácil.
Um candidato inteiro é o que não (se) divide, o que define um objetivo claro, sem subterfúgios de linguagem ou subtilezas de ações, com a certeza do que quer, como quer, quando quer, onde quer e com quem quer.
É um pouco a regra básica do lead e do corpo da notícia, que qualquer aluno de primeiro ano de licenciatura na área deverá conhecer e aplicar até à exaustão.
Um candidato inteiro tem bagagem. E não apenas a bagagem intelectual e académica, mau grado estas sejam essenciais aos desafios que se lhe podem colocar a qualquer hora ou local. Mas, sobretudo, a bagagem que a experiência lhe confere. A experiência na gestão, mas, sobretudo, na evolução de projetos, nos contactos e redes que vai estabelecendo ao longo da vida pessoal e profissional, da capacidade que os outros lhe reconhecem de ser equilibrado, razoável e agregador.
Ora aí está uma tríade com a qual um candidato inteiro se deve preocupar, desde o primeiro minuto de qualquer sonho ou projeto. O equilíbrio é o que dele fará consensual ou, pelo menos, um buscador permanente de consensos, de interações, de soluções que, podendo não agradar, no mesmo espaço e tempo, a todos os cidadãos e a todas as instituições, serão sempre o resultado da procura, da discussão civilizada e abalizada e da tentativa de melhorar a cada dia, a cada decisão.
O candidato inteiro também terá de ser razoável. E sê-lo é o contrário de populismos fáceis de última hora, de palmadinhas nas costas e promessas incontidas (especialidade bem portuguesa e que nos vai surgindo quase a cada esquina…). Ser razoável é tudo menos isso. É perceber que o caminho para o progresso e para o sucesso se faz a diversos ritmos, com ambição pelas instituições que se defende e não pela variedade e colorido das gravatas que se apertam ao pescoço. Razoável não é ser popular. É trabalhar para tornar os protagonistas das nossas instituições populares, felizes e determinados.
O que nos leva ao terceiro vértice do triângulo. O candidato inteiro terá, fatalmente, de ser agregador. E isso é o quê? É, tão simplesmente, conhecer os cantos à casa, saber as necessidades de cada estrutura a cada momento do seu desenvolvimento, para que este seja respaldado e harmonioso. É determinar objetivos específicos para momentos específicos, trabalhando com todos numa premissa essencial de justiça. Porque justiça não é tratar tudo por igual, a direito, com sorriso de circunstância e garantias apriorísticas que raramente se confirmarão. Justiça é tratar igual o que é igual, e diferente o que é diferente.
E é nesta ampla paleta e conjugação de conceitos, práticas e atitudes que podemos, finalmente, reconhecer o candidato inteiro.
Porque, de facto, tudo deverá fazer sentido. Ele deve conhecer melhor que ninguém os terrenos que pisa e pisará. Decerto será forçado a uma análise de pontos fracos, pontos fortes, problemas e oportunidades. O candidato inteiro não poderá, nunca, ser o dono da bola, o dono do jogo e o dono das regras. Terá de respeitar o passado, adaptar o presente e preparar o futuro, sabendo que, ainda que muito difíceis em todos os momentos, os consensos são sempre a melhor forma de seguir em frente e de granjear prestígio e credibilidade para as instituições.
O candidato inteiro terá, em rigor, de ser uma equipa. De delegar, aproveitando as competências dos seus pares e as experiências e expetativas acumuladas. De partilhar o processo de decisão, reunindo-se do maior número de opiniões e, acima disso, da mais completa consciência dos projetos, das suas valências, das oportunidades que geram e do bem-estar que provocam.
Sim, porque o candidato inteiro terá de ser um jogador de equipa, um capitão que pisca o olho e não franze o sobrolho, que reconhece e se junta ao talento para gerir de forma aberta, horizontal, partilhada e transversal. E que mostra a todos e a todo o tempo os resultados, partilhando sucessos e ultrapassando dificuldades na comunhão de toda a tribo e nunca na solidão de um estribo.
Sejamos suficientemente sonhadores para perceber que ainda poderá haver candidato inteiro em muitas áreas da nossa vida e dos nossos interesses. Afinal, trata-se apenas de servir e de não se servir. Trata-se de reconhecer que o coletivo é sempre mais forte que a soma dos valores individuais, que os processos de decisão são tão mais fáceis quanto mais abrangentes, comungados e participados, que o que de bom foi feito deve ser acarinhado, mantido e estimulado, que as ideias estratégicas devem ser acompanhadas de discussões sérias e abalizadas, que o essencial das instituições são as pessoas que lhes dão forma, seja na medida da sua possibilidade não profissional, seja na agregação de conhecimento e prática do seu núcleo profissional.
Quanto mais sobe o helicóptero, mas nítida e global se torna a visão, mais fantástica é a paisagem, na diversidade que identifica, na pluralidade que é matriz, na integração que é desafio.
Para tudo isso é essencial um candidato inteiro. E inteiro.
Cartão branco
Se nos desportos coletivos a capacidade de união em torno de um objetivo comum é aspeto essencial, quando se fala de modalidades de competição individual é a resiliência, a perseverança, a consistência competitiva para, depois de se chegar aos patamares mais altos, por lá se manter durante anos a fio, que define os verdadeiros campeões.
De há alguns anos a esta parte, o judo terá sido dos desportos que mais evoluíram em Portugal, fruto de um trabalho concertado de organização e método, mas, sobretudo, de talento individual aproveitado ao limite.
Telma Monteiro é o rosto do judo português, sê-lo-á sempre na exata medida dos seus sacrifícios, da sua vontade, do seu talento e do seu sucesso. Uma super-campeã e um exemplo que merece uma vénia.
Cartão amarelo
José Mourinho é único. O caráter pessoal e intransmissível do treinador português de maior sucesso internacional é diretamente proporcional ao seu estigma com os árbitros, mesmo com os de maior prestígio no planeta futebol.
Expulso em Istambul por pretender que fosse assinalada uma grande penalidade a favor do seu Fenerbahçe (no jogo com o Manchester United), Mourinho acabou por cortar nas palavras após o jogo, mas sempre com a ironia característica destes momentos.
Clément Turpin é uma espécie de Mourinho da arbitragem internacional. O juiz francês, apesar de tudo, tem direito ao erro (como o tem o treinador luso). E jogo de competições da UEFA sem polémica não é jogo para o special one…