OPINIÃO O ataque como melhor defesa
Combater a violência é essencial, mas não vamos atacar a verdade desportiva de caminho
Sexta-feira passada, no Apúlia-Maximiense de sub-15, um adepto da equipa visitante partiu a cabeça ao árbitro com uma cana de pesca. No dia seguinte, na primeira fila da bancada do GDS Cascais, o pai de um atleta local deu uma cabeçada a um jogador da outra equipa que acompanhava o jogo também do lado de fora. Já domingo, em Ílhavo, um apoiante do Vista Alegre entrou em campo e agrediu o guarda-redes do visitante Valonguense, motivando a suspensão do encontro do campeonato distrital de Aveiro. Em Trás-os-Montes, mais ou menos pela mesma hora, houve invasão de campo nos instantes finais de um jogo de Liga. Seis adeptos do Chaves foram detidos, dois jogadores do Estoril acabaram expulsos, um deles ainda identificado pela Polícia de Segurança Pública por suspeita da prática de crime de ofensa à integridade física.
Este relatório não deixaria de ser relevante se resumisse os incidentes de uma época inteira, mas torna-se particularmente preocupante quando reflete três dias apenas. Deve, por isso, fazer soar alarmes em vários gabinetes pelo país, e não apenas de responsáveis do universo futebolístico. Embora com erros no processo, como o famoso cartão do adepto, o combate a este flagelo, visível sobretudo no futebol, vai sendo feito, através da aplicação de novos enquadramentos legais, incluindo a criação da Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD). Ainda assim, os incidentes do último fim de semana comprovam que o fenómeno exige uma ação mais célere e mais eficaz. Que essa preocupação esteja bem presente na Assembleia Geral Extraodinária da Liga marcada para esta terça-feira, que prevê apreciar e votar um novo regulamento de prevenção da violência, ainda que fique a ideia de que o foco continue excessivamente colocado na pirotecnia e no arremesso de objetos.
A luta quer-se transversal, com a Federação Portuguesa de Futebol num plano naturalmente superior, e deve ter a pretensão de mudar mentalidades, sendo que pensar em prevenção é também estabelecer sanções suficientemente pesadas para inibir comportamentos inaceitáveis. Tanto no plano criminal como na justiça desportiva.
É caso para dizer que a melhor defesa é o ataque, mas isso remete-nos também para o que sucedeu em Chaves, na medida em que a gestão do incidente retirou verdade desportiva ao encontro. É certo que o árbitro, Nuno Almeida, tem as leis e regulamentos do seu lado, mas faltou-lhe o bom senso que deve ser inerente ao conceito de justiça. Não faz sentido que uma equipa que viu a sua integridade física ameaçada por adeptos contrários acabe com dois jogadores expulsos e um avançado à baliza a sofrer o golo do empate ao minuto 90+20.
As leis carecem todas de interpretação, e não estamos perante o caso de um adepto que entrou em campo para pedir uma fotografia e acabou agredido por um jogador, ou de um animal pontapeado sem compaixão. Quem pode censurar a defesa de Marcelo Carné, agarrado pelo pescoço por um adepto, ou mesmo a joelhada voadora de Pedro Álvaro perante o invasor que avançava na sua direção?
Talvez Nuno Almeida tenha justificado uma nota positiva, mas a avaliação do incidente deixou a desejar, desde logo pela decisão de retomar um jogo que ia já no minuto 90+3 por altura da invasão. Sabendo que tinha exibido cartão vermelho a dois jogadores do Estoril, podia ter optado por fazer soar o apito final logo após o reatamento, mas deu margem para um desfecho que não defende a verdade desportiva.