O 7 a 1 entrou no dia a dia
Klose na festa de um dos sete golos da Alemanha ao Brasil, no Mundial-2014 (Foto Imago)

O 7 a 1 entrou no dia a dia

OPINIÃO13.07.202409:45

O Brasil, como nenhum outro país, atrai expressões do futebol para a linguagem quotidiana

No Brasil, mais do que em Portugal ou noutro país, as expressões do futebol fazem parte do dia a dia das pessoas – mesmo daquelas que não ligam ao desporto. Quando alguém incorre numa gafe, diz-se que foi «uma bola fora» mas se, por outro lado, comete um erro afirma-se que «pisou na bola». Se for ignorada, a pessoa foi «jogada para escanteio [canto, portanto]» mas se falta a um compromisso «deu um balão [o famoso chapéu]» no amigo que ficou à espera. Se não consegue, por pouco, realizar uma tarefa, «bateu na trave» mas quando a cumpre à última hora fê-lo «aos 45 do segundo tempo». E, nesse caso, pode festejar, isto é, «partir para o abraço» aos companheiros de equipa.

Numa discussão entre alguém, quem tenta apaziguar «faz o meio de campo» porque na verdade «dá bola» para as pessoas desavindas, já quem desiste de as tentar ajudar «tira o time [a equipa] de campo» porque prefere «nem dar bola» aos contendores. Os exemplos vêm de longe e são intermináveis mas, mesmo assim, há atualizações constantes, como quando em 2023 os dicionários, em homenagem a Pelé, falecido no final de 2022, decidiram transformar o nome do génio do futebol, já tão usado nas conversas quotidianas, num formal adjetivo masculino singular – «aquele cara é o Pelé da medicina» ou «ela é o Pelé do teatro brasileiro» para indicar alguém que chegou ao topo da carreira no seu ramo.

Mas 2014, ano de Mundial de futebol organizado pelo Brasil, foi particularmente rico na adaptação de novas expressões do futebol ao dia a dia. Aliás, 2013 já havia sido com o «imagina na Copa...», usado sempre que um avião se atrasava, sempre que um elevador avariava, sempre que um holofote de um estádio apagava. Ou seja, significava o vexame que o país supostamente passaria, por culpa desses incidentes comuns, quando os olhos do mundo estariam sobre si a exigir ordem, perfeição, primeiro-mundismo.

No fim das contas, a organização da Copa até foi elogiada – mas não, de maneira nenhuma, a atuação da seleção brasileira. Na prática, o quarto lugar final acabou por ser a melhor participação dos canarinhos desde o título de 2002 no Mundial do Oriente, já que em 2006 e 2010 e, depois, em 2018 e 2022, o Brasil caiu nos quartos de final, mas a goleada sofrida nas meias-finais aos pés da Alemanha, com golos humilhantes, dolorosos, catastróficos, uns atrás dos outros, soterrou tudo.

E fez nascer duas novas expressões: agora, sempre que um detalhe negativo acontece, um brasileiro diz para o outro «gol da Alemanha». Mas quando a situação é mais profunda, uma política pública errada, um descaso social absurdo, um discurso patético de um deputado, o desabafo é «no Brasil, todos os dias há um 7-1».

O 7-1 do Brasil à Alemanha fez 10 anos no passado dia 8.

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