Notas soltas (III). Democracia sanitária

OPINIÃO04.07.202107:00

O certificado de vacinação integral vai ser o caminho prioritário para o acesso a estádios, complexos e pavilhões desportivos

Há cerca de um mês, não sendo reconhecidamente especialista nesta área dos vírus , mas tendo grandes amigos que , sabedores e sagazes, dão contínuo alento à vida dos outros e os sabem cuidar, com ciência pura e redobrada atenção , aqui escrevi «que a pandemia voltou a vencer a economia». E que aí vinha uma «quarta vaga». Algumas vozes,   que teimosamente não deixam de ler esta coluna, advertiram-me quanto ao meu pessimismo e não deixaram de me recordar que não era nem especialista do vírus nem devia ser porta voz das «más notícias»! . Mas como tinha escutado , a partir da serenidade da sua varanda em Sines, a voz autorizada de um grande médico e bom amigo, aqui referi eu poderia vir aí  «quarta vaga»! Ela aí está, dizem,   com números que dia a dia impressionam. Mas, sendo esta  vida para ser vivida, necessariamente  com todas as cautelas, não deixo  de assumir, na minha área de conhecimento, que vivemos uma nova vaga democrática. Não a democracia representativa ou participativa. Nem a mera democracia  liberal ou sequer, em outro prisma,  a dita e denominada democracia popular. Vivemos, sim, com toda a sua novidade , porventura científica , e as suas excecionais características, um novo tempo, o tempo da democracia sanitária! E esta, mesmo sem haver estado de emergência, limita a circulação e condiciona o quotidiano, suspende direitos e suscita interpretações restritivas de liberdades constitucionalmente consagradas. A democracia sanitária, sempre dependente dos números da pandemia, e das lógicas de comunicação a ela imanentes e inerentes, aporta-nos uma quase que certeza quinzenal. Os 120 casos por cem mil habitantes são o limite da democracia plena. A partir daí entram a saúde e as suas exigências, a DGS e as especificas restrições, o confinamento, diria que, em rigor, o recolher obrigatório. Por isso será útil que o desporto e os principais clubes atenuem a sua expectativa quanto a percentagem de lugares a ocupar a partir deste mês de julho. E logo a desejada venda de bilhetes de época. Sem prejuízo de acreditar que o certificado de vacinação integral  vai ser o caminho prioritário para o acesso a estádios, complexos e pavilhões desportivos. Tal como na circulação interna e na europeia, o certificado de vacinação, nas suas especificidades, vai ser, acredito, o requisito complementar de acesso e, logo, o  pressuposto de aquisição de bilhetes para eventos desportivos. Singularidades desta nova, diferente e excecional democracia sanitária. Ela aí está. E já está a exigir diferentes construções jurídicas e a sanitárias interpretações constitucionais!

Faltam três jogos para terminar o Europeu de 2020, realizado neste ano de 2021. Agora tudo se concentra em Londres e no emblemático Estádio de Wembley, construído em 1923 e reconstruído em 2003. Para nós o Europeu foi, de verdade, uma desilusão. Desportiva e, assuma-se, mesmo que em termos relativos,  sob o prisma financeiro. Acredito que a nossa Federação verdadeiramente acreditava que poderia chegar aos quartos de final e arrecadar, assim, mais de quinze milhões de euros. Mas o Europeu para os nossos três canais de televisão foi um imenso êxito de… audiências. O Portugal-Bélgica foi, até ao momento, o programa mais visto do ano, com cerca de 4 milhões de adeptos e quase 70% de share, o que significa que só 30% dos telespectadores não estavam sintonizados com o jogo - com a TVI - que motivou a nossa eliminação, diria que injusta em razão principalmente do desempenho da nossa Seleção na  segunda parte do encontro. Mas quer o Portugal-França (RTP ) quer o Portugal-Hungria (SIC) quer, ainda, o Portugal-Alemanha (também TVI) tiveram audiências extraordinárias. Agora é Londres o centro da comum  atenção  dos amantes globais do futebol. Com duas meias finais diferentes mas motivantes. E com a certeza que no próximo domingo os finalistas do Europeu de 2020… disputado  2021.., serão diferentes daquele jogo emblemático de 2016 em que nos sagrámos campeões da Europa de futebol. E eu estava lá… em Paris! 

Terminada a presença no Europeu as atenções centram-se no regresso do futebol de clubes. O Benfica aí está e com múltiplos jogos particulares . Como o de ontem entre Benfica dito A e Benfica dito B! Mas com alguns dos seus principais jogadores ainda em competição externa, outros  acabados de entrar de férias ou ainda outros em tratamento em razão de lesões contraídas. Jorge Jesus sabe que tem um agosto decisivo. Determinante em termos desportivos e fundamental em termos de almofada económico-financeira. E complementar ao resultado do empréstimo que amanhã arranca com uma atrativa taxa de juro.  E, aqui, e em razão dele, Domingos Soares de Oliveira na entrevista que concedeu à TVI 24  foi de uma arrepiante lucidez e de uma irritante sinceridade. Foi profissional na análise, competente nos silêncios e  cirúrgico nas chamadas  de atenção! E , mesmo em momentos, de democracia sanitária evidencio os seus alertas e a serenidade na abordagem das questões centrais do nosso futebol. Só não sei se a disputa em contratações por parte dos três principais atores desportivos portugueses manterá a unidade estratégica bem necessária perante os desafios suscitados pela pandemia  e por  outras questões , como a concentração de direitos televisivos, desencadeadas pelo poder político. Acredito que as exigências populares, das diferentes claques e de específicos aliados presidenciais poderão afetar os compromissos unitários, divulgados a partir da Mealhada e do seu magnifico e atrativo Rei dos Leitões!  Aguardemos as cenas dos próximos episódios…   

Três notas finais. A primeira para antecipar que poderemos ter, numa primeira fase, uma época de transferências em que predominarão os empréstimos com opções de compra em detrimento de múltiplas transferências com números bem impressionantes. Mas sem esquecermos a situação livre de Messi, a chegada de Sergio Ramos a Paris e a necessidade de Barcelona e Real de Madrid motivarem as suas difíceis massas associativas! A segunda para evidenciar o exército de treinadores portugueses que lidera grandes nomes/clubes do futebol europeu. De Itália a Inglaterra , aqui com as novidades Bruno Lage, Nuno Espírito Santo e Marco Silva - da Grécia à Turquia, e aqui com o regresso de Vítor Pereira, após três temporadas vitoriosas na China e no Shanghai SIPG. A terceira, e na semana em que  o Partido Comunista Chinês comemorou, com esplendor e força, o seu centésimo aniversário, para recordar um interessante livro de Rowan Simons que nos ensina, no seu Traves de Bambu como a «China aprendeu a amar o futebol»! Acredito que o futebol já foi mais paixão na República Popular da China. Por mim guardo a primeira e a última imagens das visitas à  China. Na primeira, há mais de quarenta anos: milhares de bicicletas. Na última, há cerca de dez anos: milhares de automóveis. E sempre tendo como referência a Cidade Proibida e a imensa  Muralha  da China. Do ténis de mesa como modalidade de ligação ao mundo ao futebol como modalidade de global atenção e atração nesse nosso mundo que  vive , em espaços  abertos  como o nosso, em verdadeira democracia sanitária!