Manchester City, o julgamento do século
Pep Guardiola, treinador do Manchester City, pode ver o futuro alterado em função da decisão do tribunal (Foto: Mark Cosgrove/News Images/IMAGO)

Manchester City, o julgamento do século

OPINIÃO18.09.202409:00

E se em fevereiro o Manchester City saber que vai descer de divisão? Isso pode acentuar a tendência de contração dos investimentos. Com impacto em Portugal

Chamam-lhe em Inglaterra o julgamento do século no que respeita ao futebol e não será por acaso: o Manchester City começou no início desta semana a ser julgado por 115 infrações de âmbito financeiro, numa acusação levada a cabo pela Premier League e cujo veredito pode ir da descida de divisão pela dedução de (muitos) pontos ou mesmo a expulsão da competição.

Foram precisos seis anos desde a publicação feita pelo Der Spiegel (em parceria com o Football Leaks, by Rui Pinto) da alegada batota para enganar o fair play financeiro da UEFA e da Premier League até ao arranque das audiências formais. Milhões de libras em encargos judiciais de parte a parte passaram entretanto pelos cofres dos advogados mas há a garantia de que o julgamento levado a cabo por um painel de três juízes irá durar cerca de 10 semanas e a decisão não é passível de recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAS, na sigla em francês), na Suíça.

Isto significa que, lá para fevereiro, a bomba poderá estoirar quando já se desenha o último terço do campeonato inglês e da Liga dos Campeões. Requer ainda alguma imaginação pensar no cenário que se seguirá a uma eventual mão pesada sobre os citizens, mas há sinais que revelam mudanças e que já se fizeram notar no último mercado de transferências.

O facto de o Everton, Nottingham Forest e Leicester terem sido punidos com subtração de pontos por irregularidades financeiras e a investigação em curso ao Manchester City e também ao Chelsea (dos tempos de Roman Abramovich) provocou uma contração da média de  investimento dos clubes britânicos num único jogador. Não foi por acaso que pela primeira vez em 11 anos nenhuma transferência ultrapassou os €75 milhões. O medo também tem um valor económico.

Comparativamente a anos anteriores, inclusive durante a pandemia de Covid-19, houve uma baixa de preços que muitos consideram ter sido positiva para reduzir a bolha inflacionária em curso desde os famosos €222 milhões do PSG ao Barcelona por Neymar em 2017. Basta recordar que no passado muito recente a fasquia dos €100 milhões banalizou-se e hoje contam-se 16 passes de futebolistas transacionados acima desse nível - e nem metade vale realmente o que os clubes pagaram por eles.

Esta conjuntura já teve impacto em toda a cadeia de valor, atingindo em particular aqueles que se situam no primeiro anel à volta da grande roda dentada dos big 5, caso do mercado português e em particular o Benfica: em circunstâncias normais João Neves teria saído por 100 milhões de euros e não pelos €60 milhões que o PSG pagou (mais €10 milhões por objetivos), o que no contexto das contas atuais das águias implica uma grande dor de cabeça: pelo menos nas duas próximas janelas de verão poderão ter de sair duas joias da coroa em vez de apenas uma. E isso pode nem chegar.

PS: A Federação de Futebol da Turquia precisou de apenas dois dias para divulgar os áudios do VAR dos lances mais relevantes da jornada da Liga, um dos quais o vermelho sobre uma entrada dura sobre o ex-benfiquista Rafa. A transparência também se mede pela rapidez do processo, quando os lances ainda estão frescos na memória do público. Acredito que esse será o próximo passo a dar em Portugal.