OPINIÃO Limites para os treinadores
Treinadores devem ser iguais aos jogadores: fora do mercado só assina quem está livre
O SC Braga-Arouca está marcado apenas para amanhã, mas os clubes já andaram a trocar galhardetes por causa do treinador que é de um mas vai ser do outro.
É possível que Daniel Sousa só agora tenha apertado a mão a António Salvador, mas há muito que se percebera que o técnico ia para a Pedreira. Faltava apenas perceber quando, mas Artur Jorge, ao sentir que o estavam a tentar segurar com empurrões nas costas, decidiu aproveitar a boleia de John Textor para ir treinar o Botafogo.
O acordo permitiu ao SC Braga um encaixe de aproximadamente dois milhões de euros, mas António Salvador não quis gastar metade a recrutar um treinador que fica livre daqui por sete jogos. A questão é que o próximo desafio é precisamente em Braga, e isso dificultou a negociação com o Arouca, que colocou um prazo-limite para um entendimento. No meio de tudo isto até a saída de Artur Jorge foi colocada em causa, mas já não havia margem para recuar.
Salvador decidiu esperar sem esperar. Avançou já para Daniel Sousa, mas apenas com a possibilidade de o ter na próxima época. O antigo adjunto de André Villas-Boas venceu 10 dos 25 jogos disputados no Gil Vicente, primeira equipa que liderou, e agora já igualou esse número de triunfos em 18 jogos pelo Arouca. Na Liga, esta época, tem 31 pontos somados em 16 jogos, o que dá um aproveitamento pontual de 65%. Praticamente ao nível do SC Braga, que amealhou 69% dos pontos que disputou, com recursos obviamente superiores.
Daniel Sousa não só tem o direito de querer o melhor para a sua carreira, como é livre de assinar um contrato válido a partir da próxima época, mas o processo é desconfortável para todas as partes, e em particular para o (ainda) técnico do Arouca, que vai visitar o futuro patrão após ser acusado de falta de ética pelo atual, que também não se pode dar ao luxo de o libertar gratuitamente. Não está em causa o profissionalismo do treinador de 39 anos, mas só a circunstância de ser confrontado com o cenário de lutar por pontos que podem condicionar aquela que será a sua missão na próxima época deveria ser o suficiente para questionar os regulamentos. É irrealista pensar que os conflitos de interesse seriam abolidos, mas o caso prova a necessidade de regular este mercado.
O modelo espanhol, que limita os treinadores a um clube por época, será excessivo na forma como condiciona o direito ao trabalho, mas faz todo o sentido aplicar regras idênticas às dos jogadores: fora da janela de transferências só pode assinar quem está desempregado. Daniel Sousa continuaria a ser livre de assumir um compromisso com o SC Braga para a próxima época, mas estaria excluído o cenário de mudança imediata.
Em vez de recear menos oportunidade de trabalho, a classe dos treinadores deveria pensar nesta mudança como acréscimo de estabilidade, por mais ligeiro que seja. Com menos opções de mala feita será de esperar que alguns dirigentes pensem duas vezes antes de despedir.