Cortejo fúnebre passou pelo recinto azul e branco

Largos minutos (de silêncio) têm sete dias

Ou como a ausência de mensagens de condolência por parte de Benfica e Sporting se transformou no facto mais relevante em redor da morte de Pinto da Costa

Pinto da Costa conhecia bem, se calhar como poucos, o futebol e o País onde viveu e, também como poucos, soube como conduzir massas. Foi dono de uma ironia fina, cuja classe se foi, infelizmente, perdendo nos últimos anos; aqui e ali cínico, tantas vezes apaixonado, mas raramente hipócrita.   

É no campo da hipocrisia, ou da ausência dela, que estou seguro de que o maior presidente da história do FC Porto sabia que não teria (e acredito, até, que não o desejava, como chegou a expressar em entrevistas) homenagens post mortem, mensagens de condolências, notas de luto ou um simples último aceno de adeus por parte daqueles a quem tantas vezes chamou de inimigos.

Memorial a Pinto da Costa junto ao Dragão
Memorial a Pinto da Costa junto ao Dragão

Sim, sem meias palavras: inimigos! «Quero que os meus inimigos me continuem a atacar e a difamar», disse, em janeiro de 2019. Tinha rivais, claro que tinha, mas gostou sempre de ter inimigos. Foi esse um combustível importante do seu poder, essa capacidade de dividir. Bons e maus. Norte e Sul. Nós e eles.  

Posto isto, que fique bem sublinhado que a morte de um ente querido — neste caso, querido por milhões — exige de todos, no mínimo, algum recato, respeito, solidariedade e empatia por familiares e amigos. Isto é inegociável, mas não me impede, ao mesmo tempo, de admitir que não vejo no silêncio algo que vá contra as exigências mencionadas...  

E não foi o próprio Pinto da Costa a exigir que não lhe fizessem homenagens póstumas? Que o que quer que fizessem, o fizessem em vida? Pois, até por isso continuo a não entender tanta indignação em torno do silêncio de Sporting e Benfica na hora em que o restante mundo do desporto, e não só, deixava a sua vénia ao homem que liderou o FC Porto entre 1982 e 2024 e que nesses 42 anos transformou os dragões numa equipa conquistadora, somando nos seus mandatos e só no futebol um total de 69 troféus, entre eles dois da Taça/Liga dos Campeões Europeus, dois da Taça Intercontinental e 23 campeonatos de Portugal.

Adorado por uns, odiado por outros, assim foi com Pinto da Costa (ASF)

Não sei quantas horas passaram as respetivas direções dos dois emblemas de Lisboa em reuniões ou conversas para decidirem o que fazer perante a notícia da morte de Pinto da Costa. Ou até se terá sido algo concertado, o que duvido. Sei que decidiram remeter-se a um largo silêncio nestes últimos dias sobre o tema, não impedindo (e isso é relevante) os seus funcionários de expressar os seus sentimentos, como foi o caso dos treinadores principais, Rui Borges (Sporting) e Bruno Lage (Benfica).   

SERIA HIPOCRISIA? 

Ou seja, o silêncio, digamos, foi meramente institucional. Exigir-se-ia algo mais a esse nível? Talvez. Mas como seria qualificado Frederico Varandas se o fizesse, sabendo-se que o seu julgamento sobre a figura de Pinto da Costa era tão negativo, bastando lembrar que, em 2020, o presidente do Sporting chamou «bandido» ao antigo líder portista e que, dois anos depois, voltou a criticá-lo, chamando-o de «corruptor ativo» e «alguém que devia ser banido do dirigismo desportivo há décadas»?

«Não achamos normal este tipo de comportamento», disse o atual presidente do FC Porto, André Villas-Boas, sobre o silêncio de Sporting e Benfica, decerto considerando... normal ser persona non grata no funeral, ao qual não foi, cumprindo a vontade do seu antecessor.  

«Porque tanto prejudicaram a paz nos meus últimos dias, não gostaria que lá [no funeral] estivesse alguém da atual direção do clube. (...) Nem ex-jogadores que me traíram (Helton, Maniche, Eduardo Luís, André, Sousa...). Estou certo que não terão lata para ir lá. Por fim, não gostaria de ver lá os jornais que tiveram sempre a obsessão de me destruir (A BOLA, Record, Correio da Manhã). (...) Que fiquem em casa a redigir mensagens cheias de amizade», pode ler-se na página 135 do último livro de Pinto da Costa, Azul Até ao Fim.

Palavras que me levam a crer que, depois de décadas a acicatar ódios a Benfica e Sporting, a Lisboa e ao Sul, a A BOLA e ao Record, à FPF e ao «Estádio de Oeiras», Pinto da Costa passou os últimos dias de vida a odiar... o próprio FC Porto. Ou, pelo menos, «este FC Porto».  

E OS ADEPTOS QUE SE REVEEM? 

Largos dias têm 100 anos é o livro de memórias do antigo presidente do FC Porto. Um título, que adaptei a esta minha opinião, e para o qual Pinto da Costa encontrou inspiração na obra-prima de Agustina Bessa-Luís, Longos dias têm cem anos, no qual pode ler-se: «Longos dias têm cem anos, assim me diziam quando se tratava de protelar um assunto. (...) Era uma admoestação e uma ironia para o preguiçoso inveterado que num século acha tempo adequado para os seus projetos.»  

Não consta que Benfica e Sporting queiram protelar o assunto. Decerto, a decisão foi tomada conscientemente e com base na história de relações dos três emblemas em causa. Mais: muitos são os adeptos que concordam com a posição de águias e leões — aliás, uma sondagem realizada há dias por A BOLA disso mesmo deu conta, com 60% dos 5.627 votantes a considerarem que «seria hipócrita» se Benfica e Sporting tivessem prestado condolências.  

São assim as grandes figuras: polémicas e raramente unânimes. Tendo a admitir, neste plano, que há alguma verdade na frase aqui escrita em A BOLA por Vasco Mendonça — «Pinto da Costa fez tudo o que estava ao seu alcance para ser a melhor coisa que aconteceu aos portistas. Não tenho dúvidas de que conseguiu. No processo, tornou-se a pior coisa que aconteceu ao futebol português.»  

Neste ponto, recordo, no meio de 25 anos de dedicação ao jornalismo em A BOLA, como senti na pele, em algumas ocasiões, o ódio que derretia desde o topo da pirâmide azul e branca e se espalhava por dirigentes, funcionários e alguns adeptos; ou as histórias que, ainda antes da minha entrada no mundo da informação, eram contadas na redação: as ameaças, a intimidação, a calúnia e as ofensas de que foram alvos antigos companheiros de profissão.  

Galeria de imagens 28 Fotos

ÓDIO NUNCA FOI UM EXCLUSIVO 

Resta sublinhar que Pinto da Costa não esteve sozinho nesta cruzada divisionária, pelo que a crítica que aqui fica não o tem como único visado. Basta recordar, já neste milénio, alguns ataques aos rivais/inimigos por parte de Luís Filipe Vieira, Bruno de Carvalho e Frederico Varandas, ou ainda por parte dos fiéis escudeiros de uns e de outros que no espaço de comentário das TV foram tudo menos exemplo de cortesia ou, por vezes, até de educação, casos do também já falecido Pedro Guerra, de Francisco Marques, Manuel Serrão, José de Pina, Calado, Aníbal Pinto, Rodolfo Reis...  

Voltando aos minutos de silêncio, aos largos minutos de silêncio que se viveram nestes sete dias (incluindo o dia 15, o dia em que Pinto da Costa faleceu), tenho de sublinhar a minha visão sobre os mesmos: o silêncio é espaço íntimo, de meditação e memória, de paz e sossego. Respeito, neste plano, a imensa maioria que, de há uns anos para cá, optou por transformar os minutos de silêncio em minutos de aplausos, mas, na hora de homenagear quem partiu, continuo a preferir a solenidade nobre, mágica e poderosa que o silêncio de um estádio cheio com 50 mil ou mais pessoas é capaz de gerar.  

É nesse espaço sagrado do silêncio e da paz que envio condolências à família, amigos e aos portistas. Desejando que, depois das tormentas dos últimos tempos de vida, possa Pinto da Costa, finalmente, descansar em paz.