Kokçu, um homem livre a falar e a jogar

OPINIÃO06:00

'Para lá da linha' é uma opinião semanal

Foi numa manhã - até então calma - de sábado, em março passado, que Orkun Kokçu agitou as águas no Benfica com uma entrevista ao jornal neerlandês De Telegraaf em que se queixava do papel que o então treinador Roger Schmidt lhe reservava em campo. Que «nunca o fizeram sentir importante» ou que lhe davam «demasiadas tarefas defensivas». «Dêem-me o papel certo no Benfica (…) Espero conseguir [com os adeptos] o mesmo vínculo que no Feyenoord», pedia.

Dividiu os adeptos, uns a apoiá-lo por se defender, outros a criticar por desestabilizar (mais) a equipa. Foi censurado por falar de mais num tempo em que é raro um jogador dizer alguma coisa, quanto mais explicar realmente o que pensa e sente. O treinador, como em tantos outros momentos, geriu mal a coisa, dizendo que ainda «ia ler» a entrevista. Kokçu teve um castigo e voltou.

No final de agosto o turco deixou de empurrar uma pedra ladeira acima, qual Sísifo, com a saída de Schmidt, e parece outro desde a entrada de Bruno Lage. Se dúvidas houvesse dissipou-as todas após o 4-0 ao Atlético Madrid para a Liga dos Campeões. Um sorriso rasgado, uma leveza no discurso, quase a pairar. «Muito feliz, claro, porque no ano passado tive momentos complicados e nesta altura posso dizer que agora adoro jogar aqui, temos uma fantástica equipa, fantástico staff e foi uma boa vitória, muito importante», explicou à Sport TV. Hesitou quando lhe perguntaram se se sentia outro jogador com Lage, mas era evidente: «Eu já não quero dizer palavras más sobre o antigo treinador, foco-me no futuro e posso dizer que adoro jogar neste sistema e o estádio foi brutal, portanto adoro ser futebolista agora». Uma ligação aos adeptos, como pedia há meses. Insisto: «Adoro ser futebolista agora» é uma excelente frase, dita com uma sinceridade indesmentível.

A chegada de Kerem Akturkoglu, alguém que já conhecia e fala a mesma língua, terá sido também uma ajuda de duas vias para ambos – é o ‘Harry Potter’ a exercer alguma magia não só dentro, mas também fora de campo, ajudando-se a uma integração mais rápida.