Imagem de José Maria Pedroto durante um treino a dar instruções a Tavares (que surge à esquerda na imagem) e a Lito
José Maria Pedroto dá instruções a Tavares (à esquerda na imagem) e a Lito (Foto: A BOLA)

José Maria Pedroto – 40 anos de saudade (parte 2): a herança da sabedoria

OPINIÃO06:00

Esta tribuna livre, espaço de opinião em A BOLA, é da responsabilidade de José Neto, Metodólogo de Treino Desportivo; Mestre em Psicologia Desportiva; Doutorado em Ciências do Desporto; Instrutor e Formador de Treinadores FPF/UEFA; Docente universitário na Universidade da Maia; Embaixador Nacional para a Ética e 'Fair Play' no Desporto.

Palavra dada … palavra honrada!... Ao longo destes 40 anos tenho vindo a cultivar a minha gratidão vertida em memória e saudade de meu Mestre Sr. Pedroto levando a efeito, nos dias 7 de janeiro, que marcou de forma absolutamente consternada e dorida a sua partida, quer nos 10, 15, 20, 25, 30 anos, um encontro reflexão sobre a sua notável obra, primeiramente no Fórum da Maia e em seguida no Auditório da atual e minha universidade da Maia. Contudo e a partir do momento que foi inaugurado o Museu FC Porto, numa parceria vincadamente envolvente, viu-se essa efeméride convertida numa Aula Aberta no Auditório Dr. Sardoeira Pinto.

Sempre se viram explorados vários temas, a exemplo, 'Ser Porto'; 'Mestre Pedroto — gestor operacional para o sucesso'; 'Olha para o jogo que ele te dirá como deves treinar'; 'Comunicação e aprendizagem — A arte de comunicar'; 'Fontes para o sucesso'; 'Futebol, cultura, vida e festa — um jogo solidário'; etc. Este ano ficou decidido que o grande tema teria por base reflexiva: A Herança da Sabedoria.

Presentes convidados, como sempre premiados, os meus melhores alunos de cada turma, na avaliação de semestre, juntamente com o Presidente do Conselho de Administração da Maiêutica, Professor Doutor Domingos Silva, Past Reitor da Universidade do Porto e Presidente da Assembleia Municipal do Porto, Doutor Sebastião Feyo de Azevedo, alguns colegas, diretores de vários departamentos e coordenadores de cursos da Universidade da Maia, Distinto e Bom Amigo Presidente da Assembleia Geral do FC Porto, Doutor António Tavares, ex atletas internacionais e alguns amigos muito especiais, avançamos para a apresentação e reflexão do tema em apreço.

Aproveito, contudo, e no imediato para fazer uma saudação para a presidente da Direção do Museu, Eng.ª Mafalda Magalhães, e Diretor Dr. Jorge Maurício, pela forma absolutamente fraterna e ao mesmo tempo profissional como se envolveram neste ato de enorme significado e que o tempo consagra. Ainda uma nota de gratidão para o meu bom amigo e ex Diretor Fernando Rola, pelo apoio e distinção que exemplarmente me foi concedida e que jamais deixarei de aplaudir.

Pensei que o tema deste ano poderia incidir no resumo dos pontos especificamente mais distinguidos anteriormente. Contudo, em ano 40 tentei adjudicar em 4 subtemas a base filosófica e estruturalmente empreendedora do Mestre Sr. Pedroto. Para tal no título REVISITAR PEDROTO, nada mais significativo como a HERANÇA DA SABEDORIA o pudesse justificar.

A primeira área a ser explorada versou a temática Mestre Pedroto — UM ESCULTOR DO PENSAMENTO CRÍTICO: esse prever o provável como tanto o distinguia; a reformulação de conceitos apoiada por uma nova cultura de observação e análise do jogo justificada pelo estudo de eficácias ofensivas e defensivas, quer relativas, quer absolutas; o estudo e reflexão individual e coletiva para rankings de sucesso, quer no desarme, remate, bolas paradas, etc, auto análise observacional, estudadas de forma tão minuciosa hoje em dia.

Aliás quando verificamos em análises do pós ultimo mundial alguns dados, como: equipas que correram menos foram aquelas que mais vezes recuperaram a bola e mesmo a que mais tempos de posse exerceram ( e como Sr. Pedroto referia quem tem a posse da bola tem a posse do jogo e a média de posse nos jogos FC Porto encontrava-se nos 13 minutos e 9 segundos); seleções europeias com mais 4 segundos na recuperação da bola em relação às sul americanas; equipa que realizou menos remates foi campeã (Argentina) e pelo contrário a que mais remates realizou, não passou a 1ª fase (Alemanha), visando como é natural a capacidade e eficácia deste elemento.

Ao tomar conhecimento destas constatações muito me lembro de vários estudos no álbum das recordações com Bibota Fernando Gomes a conquistar a sua 1.ª Bota de Ouro com 4.7 — remates 1 golo em 3 zonas da área A.12, A.4, A.6 e na 2.ª Bota de Ouro — 3.6 remates 1 golo em idênticas zonas da área.

Como me recordo desse temp(l)o sagrado e destas e muita, muita mais constatação que figuravam na análise empreendedora dos dados observáveis e da sua descodificação para a qualificação dos fenómenos do treino semanal. Acrescento ainda a importância de análise e reflexão para o Sr. Pedroto para o registo e avaliação da imprensa escrita, tendo uma imediata transposição para a reunião com a equipa no início do ciclo semanal. Sem as condições de apoio técnico e de investigação que hoje se encontram ao dispor … tão adiantada estava o Mestre e hoje até encontramos mestrados nos ciclos universitários a estudar Observação e Análise do Jogo…

Outra área em apresentação e análise referiu-se à VISÃO ESTRATÉGICA: nesta temática foi evidenciada a capacidade do Sr. Pedroto para facilmente identificar o talento e potencial de cada jogador; o aprimorar da exigência para o seu cumprimento; duma disciplina de rigor e comprometimento para ultrapassar as dificuldades, fazendo das mesmas, oportunidades de superação; esse remar contra a maré; essa luta para vencer preparando-se para correr e ultrapassar o risco, até à última gota de suor; esse enfatizar o desafio, criando um novo paradigma de sofrimento experimentado, mas exaltado em glória com base dum gérmen aglutinador absolutamente indestrutível — o tão apetecido e explorado ADN dum Clube que vê ultrapassada a repulsa dos andrades para ostentar o emblema enfurecido dum DRAGÂO LIBERTADOR e UNIVERSAL.

A terceira área versou o ESPÍRITO DE COESÃO, instituindo a ideia dum FC Porto como uma identidade coletiva demolidora, versada por um sentimento de orgulho participativo e um espírito de solidariedade e cooperação, fazendo de cada gota de suor, um saber verdadeiramente experimentado.

Sempre referia que a vedeta é a equipa, sendo esta não como soma das partes, mas como uma relação que se estabelece entre as mesmas. O todo e inteiro, inclusivamente considerando o adepto como o 12.º jogador, estabelecendo que no uso e na ostentação do símbolo do FC Porto figurasse uma magnitude universal, transcendendo-se pela conquista dos grandes objetivos de conquista, difíceis, mas desafiadores.

A última questão que mereceu especial atenção cingiu-se ao seu MODELAR ESTILO DE LIDERANÇA. Sem dúvida estávamos perante uma personalidade carismática e possuidor dum magnetismo inebriante, disciplinado, conselheiro, gestor de recursos e estratégias para otimização da performance da equipa.

Transpirava rigor e aproveitava toda a energia ao serviço do coletivo. A sua mensagem verbal e não verbal era congruente. Muitas vezes assumia a confrontação, assumindo o que pretendia dizer, usando um tom de voz sereno e profundo onde muitas vezes imperava o silêncio, como melhor arte de se expressar; não ignorava os problemas e permitia-se evocar a arte do elogio perante a penumbra da crítica; usava o bom humor e boa disposição; promovia o debate para o envolvimento duma identidade coletiva e por vezes para aqueles que caíam em desânimo, chamava-os, colocava a mão sobre o ombro, convidava-os para reunir no seu gabinete e… confiava neles!...

Foram alguns ecos de memória, acompanhados de vivências e consolidadas pelos valores que se adequam à matriz para a conquista do sucesso, isto é, ensinava o que se sabia (generosidade mental), praticava o que se ensinava (coerência ética, tornando a prática como critério da verdade) e questionava o que ignorava ( humildade intelectual), a que me permitiu continuar a cultivar com respeito, gratidão e saudade… muita saudade!...

Termino citando Shakespeare (1554–1616): «o que é fácil lembrar para quem tem memória é muito difícil esquecer para quem tem coração».

Assim mesmo, com Mestre Sr. Pedroto (também o meu), continuadamente bem juntinho ao meu coração.