José Maria Pedroto, um símbolo do FC Porto e do futebol português
José Maria Pedroto, um símbolo do FC Porto e do futebol português (Foto: A BOLA)

José Maria Pedroto – 40 anos de saudade (parte 1)

OPINIÃO07.01.202511:00

Metodólogo de Treino Desportivo; Mestre em Psicologia Desportiva; Doutorado em Ciências do Desporto; Instrutor e Formador de Treinadores FPF/UEFA; Docente universitário na Universidade da Maia; Embaixador Nacional para a Ética e 'Fair Play' no Desporto, José Neto escreve na Tribuna Livre, um espaço de opinião de A BOLA aberto ao exterior

Foi em abril de 1981 que tudo começou por acontecer! «É o cavalo do tempo a galopar», como conta Miguel Torga, na sua Câmara Ardente! Era um simples aluno do 1.º Curso (1976/81) do Instituto Superior de Educação Física da Universidade do Porto e o convidado da Opção Futebol do 5.º ano era uma das figuras mais carismáticas do futebol português — José Maria Pedroto.

No período do debate, ousei formular a seguinte questão: «Sr. Pedroto, qual a importância do jogo e as suas circunstâncias para a planificação do treino semanal duma equipa?»

Surpreendeu-me ao perguntar o meu nome e ao convidar-me a visitar a sua sala de aulas, na altura o Vitória de Guimarães.

Imaginar-se-á a ansiedade que me acompanhou nessa deslocação. Tendo sido conduzido à presença do Sr. Pedroto, encontrei um treino à porta fechada entre o Vitória de Guimarães e o Gil Vicente, após o que fui convidado a entrar no seu gabinete: «Olhe, professor, diga-me lá: como funcionam as mitocôndrias? E que pensa dos treinos bidiários com um trabalho de força explosiva à tarde? E o que sabe sobre...» 

Eu ainda a preparar as respostas, fixei-me no seu olhar soberano e ao mesmo tempo paternal, e respondi: «Desculpe, Sr. Pedroto, mas eu vim aqui procurar respostas para as minhas perguntas — aqui o senhor é que sabe!»

Ele esboçou um largo sorriso, acendeu um cigarro e agora numa voz mais pousada e terna me disse-me: «Ora pergunte lá o que pretende.»

E o fim de tarde e noite entrou connosco numa conversa de Futebol, como jamais houvera tido!...

Carregado de dúvidas, algumas achegas, expectativas a reter e após esta primeira lição, imaginar-se-á a alegria que senti quando me convidou a tomar um café no Velasquez, próximo da sua residência.

Ali, junto a uma coluna central, apresentou-me aos seus amigos (e eram tantos), deu-me um lugar a seu lado e depois de saborear mais uma graciosa tertúlia, convidou-me a acompanhá-lo para Guimarães, ao longo de cujo percurso a conversa se revelou crescentemente entusiasmante.

E os tempos iam passando, até que um dia quis surpreendê-lo. O Vitória jogava em Penafiel e eu armado de cronómetro e com base numa ficha criada para o efeito, fui registando — passes errados, ataques realizados, remates efetuados (jogador, zona e tipo), percentagens relativas e absolutas de ataque e defesa, tempos de posse de bola, etc…

Vim para casa e, no dia imediato, historiei de forma objetiva os dados do jogo, elaborei um histograma de barras, (com lápis de cor) e procurei desproblematizar em quatro ou cinco páginas a análise mais elucidativa do jogo.

Na terça-feira seguinte, muito ansioso e expectante, entreguei-lhe o material e ao mesmo tempo fiquei de olho na sua reação. E eis que me saiu com esta: «É pá, hoje o nosso treino vai valer por esta abordagem! [António] Morais [treinador adjunto], chama-me esses meninos ao balneário...»

Damas, Abreu, Romeu, Gregório Freixo, Festas, Tó Pedroto, Carraça, Tó Zé, Flávio, Barrinha, Nivaldo, Tito… Todos convocados para uma reflexão imprevista, surpreendente e, à sua maneira, anunciadora de novos processos.

«Agora vamos comparar estes dados com um jogo em casa e o próximo fora», diz-me o Sr. Pedroto.

Aproximava-se a época 1982/83 e, num final de dia, abeirou-se de mim e lançou-me uma frase que me varreu a alma e eu jamais poderei esquecer: «Prof. pró ano vai comigo pró Porto!» Sinceramente, julgava que ia desmaiar, tal a explosão de alegria que me vinha do peito!

E num dia de julho, lá estava o Luís César à minha espera, apresentou-me o senhor Plácido (que simpatia de funcionário!) e pela primeira vez subi as escadas que ligavam à sala onde estavam concentrados os técnicos e jogadores, ídolos de minha vida, tais como: Zé Beto, Tibi, Fernando Gomes, Rodolfo, Jaime Pacheco, Sousa, Costa, Frasco, João Pinto, Lima Pereira, Jaime Magalhães… E logo mais um arranque à Pedroto que me fez estremecer novamente por dentro: «Está aqui o homem que nos vai ajudar a ser Campeões!», ao que repondi: «Eu?! Eu?!... Sr. Pedroto, por amor de Deus... Eu que nunca ganhei nada... Eu venho aqui aprender a ser Campeão! Peço que me ensinem o caminho para todos sermos Campeões!»

E foi assim — primeiramente com o Sr. Pedroto — uma personalidade magnética e liderante no saber e no fazer. Ajudou-me a encontrar as respostas mais adequadas no tratamento do jogo para o treino e do treino para o jogo e o que dele emergia. Com o Sr. Pedroto fui convidado a observar o jogo e a partir do mesmo se ensaiavam as notas explicativas para o rendimento do adivinhado sucesso. Um treinador tão adiantado nesse tempo da minha existência e a quem sempre devotarei a minha gratidão. 

Foi na área da Observação e Análise do Jogo que propriamente iniciámos esta revolução do conhecimento em Portugal, com análise temática das circunstâncias do jogo, numa pedagogia instrumental para a preparação do treino semanal e na maximização do rendimento do jogador, já que a sua filosofia estava bem determinada: «Olha para o jogo que ele te dirá como deves treinar!»

A seguir acompanhei Artur Jorge e Tomislav Ivic, sendo aquele o que mais influência teve na aplicação do meu humilde conhecimento, mais propriamente no âmbito da metodologia de treino (atletas após lesão) e no treino personalizado para a otimização do rendimento. O FC Porto vir-se-ia desta maneira a constituir a verdadeira cátedra da minha Universidade do fazer!

Mas sem esquecer o Presidente Jorge Nuno Pinto da Costa — graças à sua anuência, um dia subi, em 1982/83, aquelas escadas e pude tocar as portas do céu!

Mas jamais deixarei de acudir ao desejo da gratidão da mais-valia que repousava na sabedoria duma resposta a uma simples pergunta levantada por um estudante de Desporto num final de curso em maio de 1981 e que um treinador com nome cravado de forma eterna na minha memória, Mestre José Maria de Carvalho Pedroto, com o olhar no infinito, respondeu, abrindo-me os horizontes para o futuro.

Nesse mesmo dia, compreendi ainda melhor uma frase que tinha lido no Diário XI de Miguel Torga (p.202): «Mesmo absurda, toda a esperança é sagrada.»

Observação 1 

No dia de hoje (como faço de forma repetida), e que a vida me permite comemorar 50 anos que iniciei a minha atividade de Professor, esta forma de andar por aí, misturado de sorrisos e abraços e vontade de conquistar o sonho do tamanho do mundo e dos milhares que ao longo do tempo me têm sido confiados, tendo o privilégio de, a cada dia, semeando perguntas e descobrindo generosamente a arma das ideias… Bela, apaixonada e insigne forma de encontrar o exigente mas notável significado para continuar a cultivar a vida.

No final das minhas aulas na Universidade da Maia deslocar-me-ei para o café Velasquez e ali junto à coluna central farei da memória a coroação da vida sempre com meu Mestre junto ao coração. De seguida, ali ao lado, farei um compasso de vivências jamais adormecidas, junto à residência onde habitou, recordando as muitas oportunidades em o visitar. Quando tocava à campainha e ouvia a voz terna, simpática e sorridente da senhora sua sogra: «Ó Cecília está aqui o professor pequenino.» Imediatamente me autorizavam a subir as escadas, colocavam uma cadeira junto da sua cama, ou sentados num sofá, pegava na sua mão e conversávamos, conversávamos, muito mais do que Futebol, mas simplesmente da vida!

A seguir deslocar-me-ei  para a Igreja das Antas e ali, junto ao altar, voltarei a colocar a conversa em dia com alguém que jamais deixará de estar entre nós, sempre recordado, vivendo assim, mais do que a própria vida.

Observação 2

Na próxima quinta-feira, dia 9, pelas 15 horas, será levada a efeito mais uma Aula Aberta no Auditório do Museu do FC Porto.

Estarão presentes os meus alunos que atingiram médias de excelência neste primeiro semestre, convidados da academia, como Presidente do conselho da Administração, Prof. Doutor Domingos Silva, Magnífico Reitor, Prof. Doutor José Ferreira Gomes e colegas coordenadores, alguns especiais amigos e a honra de também ter junto a mim convidados do meu sempre amado FC Porto. Em seguida faremos a habitual visita a um dos mais emblemáticos museus de categoria nacional e mundial. O tema em apresentação e análise é simplesmente este: REVISITAR PEDROTO — A Herança da Sabedoria.

Ainda esta semana, na parte 2, levarei aos meus estimados leitores o desenvolvimento de um tema em que José Maria Pedroto é o grande protagonista.