Identificação de princípio
Imagem dos adeptos do Vitória Sport Clube presentes no Estádio D. Afonso Henriques (Foto: A BOLA)

Identificação de princípio

Ricardo Areias, realizador e produtor de cinema, é o convidado de André Coelho Lima, adepto do Vitória Sport Clube e deputado à Assembleia da República que quinzenalmente assina em A BOLA a opinião Sentido de Pertença

1 — Escrever um texto para A BOLA, para mim, é como escrever um texto religioso sendo eu não crente. É necessário fazê-lo com o devido respeito por quem tem fé. Vivo o futebol como um alienado social, numa cultura alicerçada exageradamente nos feitos dos que estão em campo em representação de um coletivo abstrato, com pequenas exceções nas quais me revejo. Sou adepto do Vitória Sport Clube, sem qualquer complexo ou pejo de que seja chamado como ‘De Guimarães’. Não sou purista a esse nível, porque vivo as vitórias e derrotas do clube da minha terra com a ancestral motivação anti-bélica que o desporto convoca. Olho para a minha equipa como sendo muito mais do que a melhor, é mais do que isso pois é intimamente minha. Como se o capitalismo no desporto não tivesse sido capaz de assassinar todo o bairrismo na sua essência mais pura. Revejo-me na forma inequívoca com que sentimos a nossa Seleção. Como aqueles que a compõem são efectivamente nossos, e nos representam contra o outro abstrato que o desporto convoca e repudia em simultâneo. Quando me perguntam quem foi o ator mais famoso que dirigi, respondo invariavelmente: O Cristiano Ronaldo! Na única publicidade que aceitei realizar ou produzir em toda a minha carreira. E que aceitei apenas com essa premissa, a de o poder dirigir.

2 — Desta forma posso afirmar categoricamente que sofro com a nossa Seleção Nacional e rejubilo quando o Vitória ganha. Preferencialmente contra os três fatídicos grandes. Numa luta constante de David contra Golias que o futebol português persiste em cristalizar. Assim nesta luta de classes em que os mais pobres têm sempre muita dificuldade em conseguir vencer, como na vida, vamos persistindo e lutando. No cinema é igual. As lutas são desiguais. Os nossos orçamentos incomparáveis com quem vamos para dentro do campo. E continuamos a estar constantemente presentes em competições internacionais, a ganhar prémios por todo o mundo, apesar da nossa escala. E nesse sentido, sinto-me como o Vitória de Guimarães no Cinema. E isso é motivo de orgulho e não a base de um qualquer estigma. Não sei se teria sido capaz de realizar tantos filmes e de ter produzido muitos mais um pouco por todo o mundo, da Ásia, África, América do Norte e Sul, se não fosse de Guimarães e carregasse comigo toda essa responsabilidade.

3 — Quer cá quer no estrangeiro, identificam-me sempre com o Vitória de Guimarães nas inevitáveis conversas sobre futebol que obviamente também existem no mundo do cinema. E eu estou consciente de que isso carrega uma atitude. Uma identificação de princípio.