Opinião Gozar com adeptos não vale
«Vamos conversar», a opinião de Fernando Guerra
Foi inaceitável a reação de Roger Schmidt à questão que lhe foi colocada sobre as três derrotas que o Benfica já sofreu esta época. Em vez de uma resposta segura, esclarecedora e poderosa, que fosse uma garantia de confiança, preferiu agitar receios e alertar para a dificuldade em repetir o desempenho da última temporada. Fê-lo na análise de mais um jogo que foi um martírio para os adeptos, com uma agravante. Nos casos anteriores assistiu-se a uma parte boa que disfarçou a má, mas desta vez, com o Estoril, foram as duas más. Não tenho explicação para o que se passa, mas se é o próprio treinador a dizer que o «equilíbrio não é perfeito entre os momentos de ataque e de defesa», que «estamos a sentir mais dificuldades para jogar 90 minutos seguros, ao mais alto nível», que «os adversários têm mais oportunidades que na época passada» ou que «no ataque já mostrámos futebol fantástico e criámos muitas oportunidades, mas também, por vezes, diminuímos a intensidade e concentração em campo» é porque alguma coisa corre mal.
Schmidt acredita estar no bom caminho, mas, entretanto, vai pedindo tempo, porque se perderam jogadores importantes, sendo certo, também, que entraram outros cuja qualidade não se questiona. Apesar do clima quente e seco em todo o país, talvez o treinador encarnando previsse chuva na Amoreira na noite de sábado, por isso disse o que disse, e percebe-se, em função do modesto comportamento dos encarnados. «O que mudou na filosofia do treinador, ninguém sabe. Mas qualquer semelhança entre esta equipa que esteve no Estoril, e aquela que no mesmo palco venceu há um ano por 5-1, é pura coincidência», escreveu José Manuel Delgado, que assinou a crónica do jogo em A BOLA. O Benfica ganhou porque tem melhores jogadores e não por alguma decisão de ordem tática que o treinador tenha assumido. Pelo contrário, não interessa como se ganha, afirmou. Ele acha que fez tudo bem, e o estorilista Rafik Guitane também, feliz pela liberdade que lhe foi permitida. Gonçalo Guedes ficou igualmente agradecido ao seu treinador por se ter lembrado dele ao minuto 86 e Musa beijou-lhe as mãos por o ter trocado por Tensgtedt. Schmidt considera que o nórdico esteve bem, mas «infelizmente, não marcou», disse. Pois, a culpa pode ser do azar, mas o jeitinho também não é muito…
Os treinadores não gostam de ver as suas opções questionadas, reagem mal às críticas, mas há fronteiras que não devem ser ultrapassadas e creio que, a propósito deste jogo com o Estoril, Roger Schmidt violou duas: Antes do jogo: ao questionar o valor do seu plantel, o que para mim é um espanto, pois já neste espaço o considerei um luxo em função do investimento realizado. Sei que saíram Enzo Fernandez, Gonçalo Ramos e Grimaldo, mas, depois dos dois nórdicos, que não foram baratos, entraram Angel Di María, Kokçu, Jurásek, Juan Bernat e Arthur Cabral. Voltou Gonçalo Guedes e, enfim, a baliza deixou de ser tema de discussão. Nada contra Vlachodimos, mas parece-me que Trubin é de outra galáxia. Por outro lado, sem se dar conta, admito, foi deselegante em relação ao próprio presidente do clube, deixando no ar a ideia de algum ruído à volta da política de aquisições. Trago à colação o caso de Arthur Cabral, talvez sugestão de Rui Costa, mas mesmo desadaptado, como faz constar, não deve ser tão trapalhão quanto Tengstedt. Depois do jogo: no modo agreste como reagiu. Ele é o treinador e está no direito de não gostar das perguntas que lhe fazem, de embirrar com os jornalistas, mas jamais deve iludir a realidade e desrespeitar os adeptos.
Dizer que não devia ter mexido na equipa mais cedo e considerar que fez uma abordagem correta do jogo penso que, além de escusada manifestação de arrogância, foi gozar com os milhares de adeptos que estiveram no estádio, mais os milhões que seguiram o jogo nos quatro cantos do mundo. Porque foram os adeptos que empurraram a equipa para o título 38 quando ela mais precisou de ser apoiada e sem esperarem que Schmidt lhes pedisse. Declarar que não interessa como se ganha é uma abstrusidade de alguém que ignora o passado da águia. Quem afirma que «será muito difícil repetir a época passada nos próximos anos» é porque não conhece a história do clube, nem o significado da expressão jogar à Benfica. Afinal, o que é que ele fez de tão especial? Chegar aos quartos de final na Champions? Roger Schmidt faz parte de uma geração emergente de treinadores que aprecio, por estudar o futebol além da tática, mas cujo currículo, antes de chegar à Luz, registava apenas um título de campeão ao serviço do Salzburgo. Agora já tem dois. Rui Costa foi campeão europeu como jogador e agora é o presidente de um clube bicampeão europeu. Está muitos patamares acima e precisa de um treinador à sua altura para recuperar o estatuto internacional que o Benfica perdeu. Será Schmidt? A família da águia quer acreditar que sim.