Goleadas
O conceito futebolístico de goleada é cada vez mais somítico, sendo que ganhar por 3 golos passou a ser como tal considerado e ganhar por 2-0 se aproxima vertiginosamente da goleada. Foi, aliás, o que aconteceu na Luz em sentidos opostos: na 1.ª parte o Benfica goleou e na 2.ª o Inter goleou.
Todavia, é sempre de sublinhar uma goleada à moda antiga. No passado fim de semana houve duas, que foram profusamente exaltadas nos media. Refiro-me aos 8 golos sem resposta do Sporting ao amador Dumiense, último classificado do seu grupo na 4.ª divisão nacional, ora chamada estranhamente Campeonato de Portugal, e aos 9-0 da equipa de Jorge Jesus nas Arábias, jogando em terreno alheio, frente ao lanterna-vermelha saudita. Há uns tempos, também Portugal goleou o Luxemburgo por 9-0 e na última jornada europeia constatámos o absurdo da lógica de apuramento nas qualificações europeias com a França a esmagar o rochedo de Gibraltar por 14-0.
Especificamente quanto aos jogos de Alvalade e da nossa Selecção, ouvi e li comentários exuberantemente laudatórios sobre tais façanhas. Que assim é que é, pois trata-se de uma forma de respeito pelos (pobres) adversários. Que assim os jogadores foram 100% profissionais, exprimindo no relvado uma deontologia como deve ser. Tendo a concordar com este tipo de abordagem, pois a comiseração e as acções caritativas são para outras esferas.
Acontece que logo me surgiram na memória comentários feitos quando, em 10 de Fevereiro de 2019, o Benfica venceu o Nacional da Madeira por 10-0. Então, ouvi e li argumentos à volta de tudo ter sido imoral (sic) por falta de respeito (sic) pelo outro contendor. Falou-se da «ética de (não) golear» (!), com assomos de verdadeiros tratados sobre a moral do resultado que não deve colidir com o moral das equipas. Que então o Benfica deveria ter parado de marcar (sic), ainda que ninguém se atrevesse a sugerir que pedisse ao árbitro para acabar o jogo aos cinco. Que, no alto rendimento, não se deve humilhar, nem espezinhar (sic). Que «houve coisas esquisitas» (sic). Que é preciso saber ganhar (sic). Etc., etc. Na altura, até foram vertidas várias teses doutrinárias sobre a invocada falta de competitividade do futebol português. Gostaria de saber qual a bitola moral (e científica) para dizer a partir de quantos golos uma goleada é eticamente desadequada e se tal limite é universal, nacional, paroquial ou clubista. Onde estavam estes teorizadores dos «limites para as goleadas por respeito ao adversário» quando, por exemplo, a Alemanha esmagou por 7-1 o Brasil no Mundial, ou quando até o golear abundantemente é visto como um alvo individual de acrescer golos e recordes de hat tricks, pokers e manitas, de que sempre se fala quando Ronaldo é o protagonista.
Para esta duplicidade, só encontro duas explicações: ou por no jogo dos 10-0 ter sido ultrapassado a barreira do som (dois dígitos), ou por ter sido obra do Benfica. Afinal, o costume. Nada de novo.