Futebol requer compromisso
'Livre e Direto' é o espaço de opinião semanal do jornalista Rui Almeida
Um dirigente não se impõe.
Um dirigente define a sua estratégia, organiza o seu plano e prossegue, discreto mas eficaz, atingindo os objetivos parcelares a caminho do fito maior.
Um dirigente não necessita de se colocar em bicos de pés, de preencher lugares de destaque em tribunas de honra, de gritar aos sete ventos que ali está, muitas vezes sem que, na realidade, esteja e seja reconhecido pelos seus pares.
Porque é disso mesmo que se trata: um dirigente é saudado pelo seu legado, pela sua atitude e pela sua vontade. O legado que deixa, seja do ponto de vista patrimonial, seja na relação estabelecida com todos os que gravitam no âmbito da sua missão, seja na capacidade de conciliar interesses, adequar recursos e projetar ideias.
A sua atitude de descrição e de respeito, de agregação e de compreensão, projetam-no como a figura ideal, de confiança, de capacidade, de sonho e de realidade. A sua vontade de fazer sempre mais e melhor, acompanhando-se de quadros de inegável qualidade, olhando o futuro como a garantia de evolução que sempre pretendeu e com a grandeza de perceber que, independentemente de tudo o que conseguiu, construiu e conquistou, ainda há estrada para andar, transportam-no para o capítulo único dos eleitos, dos que verdadeiramente deixam um legado. Porque nunca abandonou um projeto, porque nunca deixou a meio um trabalho, porque nunca se serviu de cargos, de notoriedade ou de projeção mediática para continuar a trilhar o seu caminho e a deixar bem vincadas as suas ideias.
Assim foi, ao longo dos últimos anos e enquanto Presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Fernando Gomes. Esteve rodeado de uma equipa de excelência, a quem sempre concedeu condições para sonhar, tal como ele próprio sonhou.
A estrutura da FPF agrega mais três nomes extraordinários.
Tiago Craveiro, o homem na sombra que, na realidade, foi o ideólogo dos novos tempos do futebol português, na perspetiva de estruturação que lhe foi garantida pela nova ordem no organismo federativo.
Carlos Godinho, uma trave-mestra do trabalho das seleções nacionais, e que agora, aos 70 anos, encerra uma carreira única, com 390 jogos na equipa A, seis fases finais de Mundiais e oito de Europeus. Um incansável trabalhador, conhecedor único dos meandros e das particularidades de um balneário e de uma organização de futebol profissional.
E Hermínio Loureiro, o homem que tudo começou, pé ante pé, com a despistagem de talentos (Craveiro é o melhor exemplo…), com a ideia inicial de um futebol mais solidário, organizado, profissional, destemido na competitividade perante os seus parceiros, marca incontornável da ambição de um país e gerador de consensos, encontros e projetos.
O que o futebol português é hoje, do ponto de vista organizacional, do enquadramento de um projeto global, da agregação de todos os setores, de capacidade de se evidenciar como uma marca de qualidade além-fronteiras, deve a estes nomes, mas também a todos os outros que, de uma forma não interesseira, natural e pró-ativa, se deixaram seduzir e procuraram, nas suas dimensões geográficas, mimetizar esta ideia extraordinária e talvez pouco portuguesa de que, de facto, poderíamos estar a caminho da excelência.
Porque – e não façamos confusões – a ideia essencial para o futebol português passa por este verbo: agregar. Agregar todos os setores, alargar e abranger as áreas periféricas, incluir regiões, motivar protagonistas e dar-lhes a necessária dimensão. Jogadores, médicos, fisioterapeutas, dirigentes, treinadores. E associações, a base de todo o desenvolvimento. Os clubes profissionais são uma curta (embora importante) franja do futebol global que devemos almejar em Portugal. Está nas 22 associações o papel principal desta história de evolução paulatina, consistente, forte para a formação contínua e continuada de jogadores e quadros nas mais diversas áreas.
Esta é, para a FPF, uma fase decisiva. Uma fase destinada a quem sabe o que quer, tem trabalho realizado, tem visão global, transversal e profunda, congrega e agrega, transporta e motiva. Até agora, há apenas um candidato à presidência do organismo de que gere o futebol português. Esse facto é (deve ser) determinante, porque representa capacidade de decisão em relação ao futuro, trabalho e legado deixados no dirigismo associativo, propensão ab initio para o diálogo, para a partilha, para a inclusão, para a motivação.
Nenhuma organização poderá desejar mais ou melhor, como ponto de partida, para o seu futuro próximo, que inclui a massificação do jogo, a motivação da arbitragem, a imagem internacional renovada, a organização interna, um Mundial dentro de cinco anos e meio (isto é, amanhã…).
Não há candidaturas a ferros, não há vontades dissimuladas ou apoios de conveniência quando se trata do futuro imediato e mediato do futebol em Portugal. Há projeto de organização e protagonistas em cada área, para que todos nos revejamos e saibamos com o que podemos contar. Não há abandonos a meio do percurso pela conveniência de um lugar muito solicitado. Haverá, sim, a ascensão natural de quem conhece o futebol português como poucos, e para ele tem um compromisso de lealdade, capacidade e qualidade.
Por isso, junto Fernando Gomes, Carlos Godinho, Hermínio Loureiro e Nuno Lobo. E assim o futebol português continuará a crescer.
Cartão branco
Há quase 40 anos, nos verdadeiros dias da rádio, iniciei a minha carreira percebendo que, independentemente dos predicados jornalísticos indissociáveis da nossa atividade, a narração de um jogo de futebol, em rádio ou televisão (mas muito mais no meio quente que era e continua a ser a rádio), envolvia muito mais do que jornalismo. Era e é paixão. Era e é momento. Era e é uma arte. Tem critérios uniformes mas interpretações pessoais, únicas e intransmissíveis. Hoje, o Pedro Azevedo, meu contemporâneo na maravilhosa aventura do futebol na telefonia, lança um livro — que ainda não li — sobre o relato de futebol, a sua história, a sua técnica, a sua magia. Vai ajudar a perceber que, de facto, o relato não é para todos.
Cartão branco
A magia do futebol tem, em África, características muito especiais. É o futebol elevado à máxima potência da arte e do espetáculo cénico. Angola (com Pedro Gonçalves ao leme) e Moçambique (treinado por Chiquinho Conde) conseguiram, embora com percursos competitivos distintos, o apuramento para a fase final do CAN-2025, que decorrerá em Marrocos, de 21 de dezembro de 2025 a 18 de janeiro de 2026.
Palancas negras e mambas atingiram o seu principal objetivo, e a ele não é estranha a grande competência do Pedro e do Chiquinho, definindo e cumprindo planos, por vezes em condições muito difíceis e desmobilizadoras. Chapeau para ambos, certo de que, em Marrocos, teremos oportunidade de viver momentos únicos para o futebol africano em português