FC Porto: Chamem a polícia

'Hat trick' é o espaço de opinião semanal do jornalista Paulo Cunha

Quem rouba é ladrão. Quem vigariza é vigarista. Uma opinião sobre os resultados da auditoria forense às contas do FC Porto, no período entre 2014/2015 e 2023/2024, seja sob um ponto de vista exclusivamente técnico, seja baseada em perceções fundadas no senso comum, obriga a ter sempre presente aqueles dois substantivos que em contextos mais obscuros também podem ser adjetivos que envergonham qualquer um.

A lista de horrores no documento partilhado esta semana no Portal da Transparência do clube é extensa — e como faz sentido usar a expressão popular é fartar, vilanagem à medida que ferimos a vista a ler cada uma das revelações e conclusões. Na análise a 879 transferências de jogadores nas 10 temporadas sob escrutínio constata-se que a SAD portista pagou €155,8 milhões em comissões a intermediários, quando, segundo as recomendações da FIFA, o valor a liquidar deveria ter sido de €105,9 M.

«O impacto financeiro negativo estimado é de 50 milhões de euros, resultante de comissões acordadas acima dos referenciais FIFA e/ou dos standards de mercado (10% do valor de transação para entradas/saídas, 3% para renovações», lê-se.

Na relação com os Super Dragões, a perda é estimada em €5,1 M fruto de irregularidades no processo de venda de bilhetes à claque e a casas do clube. É ainda referido que o FC Porto pagou viagens a elementos e familiares da direção dos Super Dragões a destinos como Cuba, Maldivas, Cancun, Brasil, Tanzânia, Ibiza e Sardenha, onde não consta que os azuis e brancos tenham competido.

Se até aqui o filme é de terror, o que se segue rivaliza com o título da obra-prima do italiano Ettore Scola, o célebre Feios, Porcos e Maus: €3,6 M em despesas de representação que violam grosseiramente as regras internas, €400 mil tributados sobre esses gastos indevidos, €1,1 M em despesas com veículos, €700 mil em refeições sem justificação, €70 mil em joalharias e relojoarias e até obras de construção civil. Isto em épocas marcadas por dificuldades em cumprir os requisitos do fair play financeiro da UEFA. Fartar, vilanagem, lembra-se? Se preferir... regabofe é igualmente uma boa definição numa só palavra.

André Villas-Boas garantiu que seria implacável com quem lesou o clube, certo é que deseja dar ao museu que engrandece o Dragão o nome do presidente que o antecedeu durante 42 anos. Entre as inúmeras promessas eleitorais que o conduziram à cadeira de sonho, não consta que AVB se tenha comprometido a resolver o problema da quadratura do círculo. E é disso que se trata se quiser manter aquela ideia — afinal, por inerência de funções, quem é o responsável máximo pelas práticas agora reveladas?

Pacificar o universo azul e branco é um ato de inteligência e bom senso, mas é impossível não retirar consequências — Chamem a Polícia, cantavam os Trabalhadores do Comércio nos anos 80... — desta explosiva auditoria. Doa a quem doer, a justiça é cega e o primado da lei deve imperar.

«Enquanto fomos bons rapazes fomos sempre comidos», eis frase marcante de José Maria Pedroto que, desta vez, Villas-Boas terá de utilizar a pensar nos inimigos internos ao invés dos externos que noutros tempos foram o alvo do mítico treinador.