Este Benfica faz-se
Não me recordo de uma ocasião em que tivéssemos tantas vitórias consecutivas em simultâneo nas duas
M EADOS de agosto e dificilmente poderia estar mais satisfeito. É verdade que devíamos ter arrumado o PSV em casa e quebrado o Gil Vicente mais cedo e com mais manha, mas os ventos continuam a soprar favoráveis. No total são agora 9 vitórias do futebol profissional do Benfica: 6 da equipa principal e 3 da equipa B. Pode já ter acontecido, mas não me recordo de uma ocasião em que tivéssemos tantas vitórias consecutivas em simultâneo nas duas equipas seniores masculinas. Já que falamos nisso, também não me lembro de precisarmos tanto de vitórias consecutivas como neste arranque de temporada tumultuoso em que muitas vezes suspirei pela suspensão de alguns temas e pelo regresso da bola, fosse ela bem ou mal jogada. Felizmente a bola fez-nos a vontade e não nos tem tratado mal.
O futebol jogado tem ocupado de tal forma o espaço mediático que me apetece celebrar apenas isso e esquecer por agora o episódio desnecessário de Jorge Jesus ao referir-se a Vlachodimos, ou a saída algo deprimente de Waldschmidt, um jogador com apatia nos pés que nunca pareceu verdadeiramente feliz por cá estar. Recordo de repente um episódio da época passada em que Jorge Jesus, no seu habitual registo sem filtros, explicava que o jovem avançado alemão só falava inglês e não percebia nada do que Jesus dizia. Eu não sou especialista em gestão de equipas de futebol profissional, mas creio que essa circunstância não terá ajudado, como aliás nunca ajuda não ser um jogador de Jorge Jesus num plantel liderado pelo mesmo. Era uma saída mais do que anunciada. Até lhe desejava felicidades, mas na verdade já sei que vou ficar irritado quando o vir brilhar no Wolfsburgo.
O S dois últimos adversários colocaram dificuldades acrescidas e evidenciaram algumas fragilidades já conhecidas. O PSV jogou o seu futebol entusiasmante de alta rotação e conseguiu controlar boa parte do jogo, obrigando o Benfica a defender um resultado que, sendo escasso, permite claramente apontar à Champions. Estamos à porta da competição, mas há ainda muito a melhorar para aspirar a mais nesses palcos. Já o Gil Vicente obrigou-nos a trabalhar muito mais e mostrou como ainda nos faltam formas engenhosas de quebrar adversários tradicionalmente instalados atrás, de que é exemplo este Gil Vicente e mais uma dúzia de equipas na liga portuguesa.
N ESTE momento não precisamos de mais gente para fazer circular a bola e continuar a depurar interminavelmente a nossa posse à espera que o adversário se esqueça de nós. Temos João Mário que faz isso muito bem, provavelmente melhor do que qualquer outro jogador em Portugal. Temos também Yaremchuk, que nos dá uma verticalidade e uma agressividade mais bem dirigidas; Gonçalo Ramos dá-nos visão periférica, capacidade de associação, dá-nos Seixal, e dá-nos mais um português no onze (não são pormenores); Veríssimo dá-nos uma liderança destemida, dá-nos inteligência na saída com bola, dá-nos um belíssimo passador de bolas, dá-nos um surpreendente faro de golo, dá-nos até a capacidade de transformar um remate frouxo de Pizzi em assistência para golo (bravo!), e dá-nos muito provavelmente um capitão de equipa para os próximos anos num balneário que precisa urgentemente de novas referências. Ou seja, alguns dos reforços desta época dão-nos já bastante mais do que na época passada.
O problema é que isto ainda não chega. O jogo de Barcelos deixou-me ligeiramente preocupado nos momentos em que vi o regresso do futebol-andebol com que fomos presenteados durante a época passada, confortável a movimentar a bola de um lado para o outro mas sem a progressão necessária. Nem todos os jogos se vão resolver aos 84 minutos com um golo de Lucas Veríssimo. O jogo ofensivo da equipa pede maior explosão e inventividade, pede unidades que se tornem conhecidas por causar o pânico, que se tornem uma ameaça constante para lá das restantes movimentações e combinações, que acrescentem imprevisibilidade sempre que o jogo a pede, e já agora que empolguem os adeptos. Este Benfica agrada, mas empolga mais pela sua eficácia do que pela magia. Falta isso e vingar a derrota de 1988. Se correr tudo bem, esta chega já hoje. Conviria que os restantes reforços chegassem entretanto.
C OMO se este bom arranque não bastasse, um dos adversários diretos perdeu pontos. O FC Porto fez uma primeira parte muito forte contra o Marítimo, mas deixou-se empatar e acabou por mostrar dificuldades proverbiais durante a segunda parte. Se é verdade que o resultado do FC Porto me agrada, não posso em boa consciência fingir que teria reagido de forma diferente ao estado do relvado se fosse o Benfica a empatar nos Barreiros. Não podemos gabar o futebol português à 5.ª feira porque ganhámos 3 jogos nas provas europeias e isso nos coloca em vantagem no ranking da UEFA, para 3 dias depois termos um jogo da liga portuguesa disputado num relvado nestas condições.
É mais um detalhe que se vem juntar a outros que deviam preocupar todas as entidades responsáveis pelo futebol português: relvados que não se aceitariam nas divisões inferiores, algo que deveria ser reconhecido antes dos jogos se realizarem e não depois; preços de bilhetes que fazem tanto por afastar os adeptos dos estádios quanto a pandemia; bancadas muito abaixo da lotação permitida, seguramente prejudicadas por uma lei do adepto que é inimiga dos próprios adeptos e, por conseguinte, inimiga do espetáculo do qual os adeptos são uma parte indispensável (lembram-se do quanto se suspirou pelo seu regresso? foi para isto?); e, por último, um VAR cujas demoras sucessivas fazem deste o novo responsável pelo antijogo nas competições nacionais. Se eu estou satisfeito com as vitórias do Benfica? Claro que estou. Mas temo por estes adversários.