Eleições (II)

OPINIÃO19.02.202205:55

Até hoje não consigo compreender de que me serve a maioria que o Sporting tem na SAD. A resposta que sempre me dou é... nada

MUITO provavelmente o banco do Manchester City ganhava a Liga Portuguesa sem derrotas; suponho que nenhum banco português, ou mesmo a banca, teria capacidade para sustentar o orçamento do Manchester City. Quem diz um banco diz o Estado português, se quisesse fazer o mesmo que o xeque Mansour Bin Zayed Al Nahyan, membro da família real, nascido em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes, no ano de 1970, vice-primeiro ministro dos Emirados Árabes e membro do Conselho Supremo do Petróleo. Há quem diga mesmo que o patrocinador do clube é o Estado.
Por isso mesmo, compreendi a reação da massa associativa e dos adeptos do Sporting Clube de Portugal, na passada terça-feira, nos últimos três minutos de um jogo, em que estava a perder 5-0. Compreendi, mas não deixei de ficar surpreendido, porque, com quase 59 anos de sócio, nunca vi uma manifestação assim de amor e fé clubista: coração a sangrar e alma a vibrar.
Compreendi os sócios e adeptos do Sporting porque, no fundo, todos sabem que só quase um milagre tornaria possível a vitória do Sporting na eliminatória. Estão situados em plataformas diferentes, do ponto de vista do orçamento. Em história, não trocaria, nem troco, a história do Sporting por qualquer outra, designadamente a do Manchester City. A grandeza daquela não se compara com quase nenhuma. Mas, francamente, e hoje mais à vontade porque não tenho qualquer ambição, trocaria as minhas acções (e as de outros) por alguém que quisesse investir no Sporting Clube de Portugal, ou melhor, na sua sociedade anónima desportiva, para poder enfrentar os colossos europeus de igual para igual, já que matéria prima (jogadores e treinadores) temos nós, mas temos que nos desfazer deles para sobreviver. Isto é muito triste e, no fim daquele jogo, vieram-me as lágrimas aos olhos pela impotência do que acabara de ver, logo substituídas (mas não esquecidas) pelas da emoção que senti com aquela manifestação.
 

Sporting foi goleado pelo Manchester City, na Liga dos Campeões, mas adeptos apoiaram a equipa no final do jogo 


Naquela manifestação havia esforço, dedicação e devoção a rodos, mas faltou a glória. A história de David e Golias não se repete todos os dias, pois ela é apenas a excepção que confirma a regra.
Tive dificuldade em adormecer, porque até hoje, em geral - e na terça feira passada em particular -, não consigo compreender de que me serve a esmagadora maioria que o Sporting Clube de Portugal tem na SAD. A resposta, que sempre dou a mim mesmo, é nada. Não é com a maioria que ganho campeonatos; não é a com a maioria que compro bons jogadores ou tenho bons treinadores; com a maioria, para sobreviver, tenho de vender os melhores jogadores, tenho de antecipar receitas e aquele que detém essa maioria não consegue dividendos para si próprio.
A obsessão pela maioria do capital é a mesma que os fidalgos e os empresários falidos têm pelos seus títulos nobiliárquicos ou pelas suas empresas endividadas até ao pescoço. Vivem do passado, sobrevivem no presente e esquecem que o futuro é diferente, muito diferente. É a mesma obsessão com a TAP (e outras) que empobrecem ainda mais os portugueses.
De resto, a propósito das últimas legislativas, e, sobretudo, dos seus resultados, vi nas redes sociais e não só como se distribuem os eleitores portugueses: 9,9 por cento são funcionários públicos; 2,8 por cento vivem do subsídio do desemprego; 3 por cento têm rendimento mínimo; 35,4 por cento são pensionistas; auferem salário mínimo 10,3 por cento e os restantes são 38,7 por cento, dos quais a maioria serão, quando muito, remediados. Esqueçam, portanto, pois em Portugal não há investidores para o futebol, designadamente para o Sporting.
Bem gostaria que em tempo de eleições, com paz social e desportiva, fosse discutido como pode o Sporting continuar a ter o objetivo dos seus fundadores, agora num contexto de um mundo global, tão diferente como era o de 1906. Acontece que, nem o Sporting, nem a sociedade desportiva em geral, querem discutir este assunto, limitando-se a falar em reestruturações financeiras, vender jogadores, antecipar receitas, sem qualquer visão, sem qualquer rasgo, sem qualquer solução prática. A culpa é nossa, não é dos dirigentes. Antigamente eram os dirigentes dos clubes que punham lá o seu dinheiro, e a única vantagem que tiravam era meramente social; hoje alguns até tiram dinheiro dos clubes, têm conflitos de interesses com os clubes - são eles os donos dos clubes e os sócios e adeptos, inocentemente, julgam que são os donos dos clubes. Julgar por julgar, então que haja mesmo donos dos clubes que ponham lá o dinheiro, e que o giram como deve ser.
Está bom de ver que isto não importa discutir, nem ninguém está interessado em debater. O futebol português não é para ser discutido, mas apenas para servir de tema de entretimento do pagode, que gosta de sangue, mas não gosta de suor, sobretudo se o mesmo resultar do trabalho. Lágrimas também faz verter algumas, pelo riso que provocam algumas imbecilidades, parvoíces e alarvidades que se dizem na comunicação social. Discute-se tão pouco com seriedade, que o leitão já se sente triste por ter de morrer para servir de pasto a quem se serve de futebol, mas não o serve.
Ainda se discute a vergonha do que se passou no Dragão, mas vergonha deviam ter aqueles que fazem certos comentários, porque alguns são muito mais vergonhosos do que aquilo que se passou no final do jogo, e que tem apenas uma leitura: o Sporting passou mesmo a incomodar, ao ponto de já não chegar só uma expulsão intencional para o fazer perder o jogo!  
Tudo para desviar as atenções, como por exemplo fazem os inteligentes comunicadores e cartilheiros habituais, que, a propósito do Paixão, vêm falar do Paulo Pereira Cristóvão, assim destruindo a presunção de inocência a que aquele tem direito. Qual será a semelhança, para se lembrarem de um caso, relativamente ao qual, por decisão transitada em julgado, o Sporting foi ilibado? Que eu saiba, o Paulo Pereira Cristóvão foi imediatamente afastado e não mais se sentou na tribuna de Alvalade, tal como agora o Casa Pia se livrou da confusão do Paixão, a fazer lembrar o Paulo Gonçalves que se sentou, ainda durante muito tempo, no mesmo local de políticos relevantes, e agora se sentam as velhas glórias do Benfica!
Evidentemente que, sendo isto que traz audiência, como as novelas (das mais variadas) e os crimes, não sobra tempo para uma discussão séria sobre a arbitragem, a disciplina, a ética e a justiça, as sociedades anónimas desportivas, os modelos de governação, os regimes jurídicos dos clubes, e tantos outros temas que seriam bem mais interessantes que horas e horas de conversa de pátio ou discussão de café, sobre o penálti que não foi marcado e a cotovelada agressiva. Por outro lado, também compreendo que falar sobre temas sérios é muito incómodo, porque a ignorância, que por aí circula, ficava ainda mais à vista de tudo e de todos.
Perguntarão alguns leitores, e com razão, o que é que isto tem a ver com as eleições do Sporting, como foi o caso do artigo da semana passada?
Tem tudo a ver, respondo eu, porque todos os assuntos aqui falados têm a ver com o Sporting, que não é o clube do meu bairro, mas o clube do meu País, por mais que certos complexados se esforcem para que isso se esqueça. E sendo um clube de dimensão nacional e internacional tem de ter uma palavra sobre os grandes e decisivos temas que estão, ou deviam estar, em debate. E nessa conformidade quem se propõe a dirigir o Sporting deve tomar uma posição definida e concreta sobre esses temas, seja no contexto interno, seja no contexto externo, nacional ou internacional.
O futuro da sociedade anónima desportiva está nas mãos do Sporting Clube de Portugal e é este que tem de decidir o que quer fazer, por isso deve ser tema prioritário em debate, sem tabus, e com clareza.
Na terça-feira passada fiquei orgulhoso por aquela manifestação espontânea de grande sportinguismo. Contudo, confesso que não fiquei feliz e, muito menos, conformado!...