Editorial: Prolongar até à eternidade

Vinte três minutos de compensação desvirtua a natureza de qualquer jogo de futebol

Há uma nova moda no futebol português. Qualquer jogo, por mais simples e despido de problemas, tem de durar sempre cerca de dez minutos para lá dos noventa. O do Dragão, pelo contrário, o jogo foi vestido de problemas e de situações inéditas, como aquele súbito corte de corrente no exato momento em que o árbitro iria testar a sua insólita decisão num lance na grande área do Arouca. A chamada telefónica para a Cidade do Futebol, a cobrar no destino, também não demorou assim tanto, mas a compensação em cima de compensação prolongou o jogo por mais vinte e três minutos! O treinador do Arouca lembrou que nunca tinha visto nada assim. Eu, por acaso, também não.

Queixam-se os portistas, e estão no seu direito, de que o adversário fez antijogo e que houve demasiadas paragens e perdas de tempo. É um argumento válido. De facto, as pequenas equipas, em situação de resultados simpáticos com os grandes, tornam-se irritantes de tanto quererem que o tempo passe sem bola a rolar.

A verdade é que Portugal foi agitado pelo estudo internacional que dava o futebol português como o mais faltoso, o mais amarelado e o que tinha menos tempo de jogo efetivo. Perante esta realidade, surgiram novas indicações para as equipas de arbitragem. Deviam de prolongar os jogos até à eternidade para não ficarmos mal na fotografia de grupo. Se não havia jogo limpo e sem osso como os lá de fora, criava-se uma regra como aquela que permite um árbitro prolongar um jogo, como ontem, no Dragão, por mais vinte e três minutos, o que desvirtua a natureza de qualquer jogo de futebol.

Por decidir, no entanto, ficou o essencial. Um árbitro não deve ter tanta contemplação para com o antijogo, sim, mas também não deve ter tanta contemplação por aqueles que o tentam enganar com simulações, algumas das quais roçam o despudor. E o árbitro também deve ter indicações para não seguir a tentação de apitar a tudo o que mexe, fazendo ele próprio antijogo.

Conseguir uma uniformidade de critério, jogue o grande ou o pequeno, o da casa ou o de fora, é absolutamente essencial à verdade desportiva. Bem sei que o recrutamento é estreito e os bons árbitros portugueses contam-se pelos dedos de uma só mão. Aliás, percebeu-se bem isso nos dois jogos que, ontem, fecharam a jornada.