Do Bairro Alto a Benfica
Fachada de A BOLA na Travessa da Queimada (Rui Raimundo/ASF)

Do Bairro Alto a Benfica

OPINIÃO26.02.202407:30

Entre a Travessa da Queimada e as Torres de Lisboa, as memórias que atravessam a cidade

Este texto, ainda que uniforme no jornal e no ecrã, começou a ser escrito na Travessa da Queimada, no Bairro Alto, e foi acabado nas Torres de Lisboa, em Benfica. Foi lá no Bairro que entrei, em maio de 2004, a dias do Euro português, com expectativa, nunca até hoje me esquecendo da melhor dica que me deram no primeiro dia entre tantas portas, salas e salinhas – o Hugo Vasconcelos ensinou-me onde era casa de banho. Desde então que o fazia com quem entrava de novo.

Associo, como muitos o farão, eventos relevantes da minha vida a datas de Europeus, Mundiais e até Jogos Olímpicos. É por elas que recordo acontecimentos, pessoas e locais. Nesse Euro-2004, vi todos os jogos na mesma sala e na mesma cadeira, enchendo-me, a cada jogo, de convicção de que essa superstição bastaria para ganhar o título em casa. Não chegou. Também no Bairro, jantava com o meu futuro marido quando aconteceu a cabeçada de Zidane em Materazzi em 2006; os Olímpicos de Pequim-2008 foram passados a entrar à meia-noite para dar tudo em direto no site que começava a despontar e agora é uma referência. Em 2010 houve vuvuzelas, tudo o que ficou.

 Do Euro-2012 não me lembro de quase nada, porque tinha uma bebé - houve golos importantes ao ritmo de mudas de fralda, e uma eliminação pela Espanha num dia encoberto. Nos Jogos Olímpicos houve prata na canoagem. Do Mundial 2014, nada a dizer.

 Em 2016, já tinha outra bebé, e solta da superstição da cadeira e da sala na Queimada, vi a final entre Portugal e França sozinha em casa no sofá, depois de deitar as meninas mais cedo, segurando-me a morder o lábio e a soltar palavrões para dentro, depois de o Éder me fazer pisar, descalça, uma peça de Lego esquecida no tapete.

 A partir de agora já nada será no Bairro Alto, mas tudo isto veio comigo. Estamos em 2024 e é ano de Euro e Olímpicos, estes em horários finalmente normais e assim já me posso emocionar novamente a cada hino do Quénia, ver saltos para a água e a ginástica. A minha filha mais velha começou este ano a gostar de futebol e por isso o Euro vai ser o primeiro a sério dela.

 Nas Torres de Lisboa não há portas, salas e salinhas, não é preciso apontar os sítios a ninguém. Estamos juntos. Já não estão todos os que estavam no Bairro. Mas é onde vou construir novas memórias.