De Kennedy a Schmidt: «Ich bin ein... benfiquista»
Roger Schmidt, treinador do Benfica (Foto: Miguel Nunes)

OPINIÃO De Kennedy a Schmidt: «Ich bin ein... benfiquista»

OPINIÃO25.07.202412:15

Dos muros que o treinador do Benfica tem de derrubar à luta insana de St. Juste para encontrar felicidade no intervalo da dor

Sentado à secretária, navegando de forma livre, aceito fazer a viagem no tempo que o Youtube me sugere. Dou por mim em 26 de junho de 1963. Nos degraus da Rathaus Schoneberg, o edifício da câmara municipal de Berlim Ocidental, John Fitzgerald Kennedy haveria de proferir um dos discursos mais marcantes da história da humanidade: «Ich bin ein Berliner». Eu sou berlinense. Oiço-o com a emoção de uma primeira vez. Numa cidade separada por um muro e, no fundo, duas visões muito diferentes do mundo, o então presidente dos Estados Unidos proclamava que «todos os homens  livres, onde quer que vivam, são cidadãos de Berlim». (Dois meses depois, nos degraus do Lincoln Memorial, em Washington, outro discurso que a história imortalizou: «I Have a Dream». O sonho de Martin Luther King em ver brancos e negros tratados com igualdade de direitos e, acima de tudo, oportunidades. Belo ano este o de 1963).

Ich bin ein Berliner é, mais do que uma proclamação, uma convocatória para uma causa, independentemente do problema nos bater ou não à porta. Um dos erros primários da humanidade é não se mobilizar se o problema não o afetar diretamente. Esquecendo que o problema é como um incêndio. Pode ser muito circunscrito no início, mas se não combatido pelos meios necessários vai alastrar e chegar à nossa porta. Ich bin ein Berliner é também a convicção que os maiores males para a humanidade não vêm tanto dos homens maus, mas mais do silêncio e inação dos homens justos.

Como não tenho maneira eficaz de marcar o ritmo das minhas divagações, dou por mim a imaginar Roger Schmidt a proclamar Ich bin ein… benfiquista. Derrubando o muro que o próprio ergueu ao separar os benfiquistas bons – que só apoiam - dos que deveriam ficar em casa – por protestarem. O treinador pode ter ficado chocado com alguns protestos – exagerados em vários casos, reconheço – mas garante ter aprendido. Não chega compreender o que é o Benfica. É preciso sentir, junto dos adeptos. É preciso sofrer e demonstrar que se está a sofrer. Como eles.  Schmidt não tem uma tarefa fácil. Estará muito exposto ao primeiro tropeção. Saber comunicar é essencial. Ser protegido também ajudava e disso também o alemão poderá ter razões de queixa. Mas a vida nem sempre é justa.

A vida nem sempre é justa e muito menos St. Juste. Uma dor de alma ver o central leonino, no jogo com o Sevilha, parar de repente um sprint. Mais uma lesão. Amorim levou as mãos à cabeça. O neerlandês cobriu o rosto de um vazio impressionante. Mais uma lesão! Às vezes questiono o que faz correr St. Juste nessa busca insana de felicidade no intervalo das dores. Nesse cair e levantar de novo a cada nova lesão. Respeito-o por isso.

Vou à minha playlist e escolho a  Sinfonia n.º 2 de Gustav Mahler, apresentada em 1895. Conhecida como a Sinfonia da Ressurreição, propõe-se responder à seguinte pergunta: por que se vive? Se calhar, também pela busca insana de um momento de felicidade no meio da dor. Também pela crença que, no final, o bem derrota sempre o mal. Ich bin ein Berliner.