De Cervi a Mortimore
Há quase nove anos, em Londres, no intervalo de um jogo entre o Benfica e o Chelsea, recordo-me bem que intensamente o aplaudi e lhe agradeci
Amanhã disputa-se mais um Sporting- Benfica. Estive em muitos destes grandes jogos. Ao sol e à chuva. No velho peão de Alvalade, ainda com a pista de ciclismo, e já nas novas bancadas do colorido Estádio de Alvalade. Vibrei com vitórias deliciosas, como aqueles 6-3 - com Rui Costa e Rui Águas (que só entraram na segunda parte), mais, entre outros, Mozer, Abel Xavier, Neno, Vítor Paneira, Isaías e, em especial, João Pinto a deslumbrar nesse dia 14 de maio de 1994 - e sofri, e muito, após os sempre lembrados 7-1 em dezembro de 1986, com quatro golos de Manuel Fernandes e com o golo solitário do Benfica a ser marcado por Wando e num Campeonato que viria a ser conquistado pelo Benfica liderado por… John Mortimore! E numa época em que para a Taça de Portugal o Benfica defrontou o União de Santarém - um abraço forte e grato ao Dr. João Correia -, nos 16 avos de final o Cartaxo e nos oitavos o Torreense! Sei, por experiência própria, vivida e sentida, que um dérbi é um jogo diferente, com características sempre singulares. E nesta pandemia que nos condiciona e perturba, que nos confina e angustia, um dérbi sem público é uma realidade que se repete já que em julho passado, na última jornada da singular época transata, o Benfica recebeu e venceu, numa Luz vazia e despida, e com consequências europeias, o Sporting. Amanhã, num Estádio de Alvalade também sem público, o Benfica sabe que não pode perder. E Jorge Jesus - a quem desejamos, do coração, total recuperação e acrescido cuidado! - não estará fisicamente próximo de um relvado que tão bem conhece. Mas estou certo que motivará a equipa e criará , com a sua ousadia tática, e direta articulação com o seu principal adjunto, João de Deus, todas as condições para o Benfica, este Benfica que não pode desistir, conquistar pontos face a uma equipa bem liderada por Rúben Amorim, com acrescida moral e com intensa motivação. Acreditando, mesmo até ao último instante, que João Palhinha ainda poderá marcar presença neste dérbi… Onde acredito, digo com a necessária cautela de um treinador de bancada, pode estar Cervi, um jogador que sente o Benfica e nos faz vibrar, mesmo no sofá, com a sua entrega, a sua vontade, a sua luta e a sua fé! E a fé, como nos ensinou Léon Tolstoi , «é a força da vida»! Já que «se o homem vive é porque acredita em alguma coisa»!
Hoje temos um domingo em que na Liga NOS apenas se disputará o Vitória de Guimarães- Marítimo. Ontem disputaram-se três jogos e entre equipas que se encontravam entre o 12.ª lugar, o Tondela, e o último, o Boavista. Na verdade, em razão dos quartos de final da Taça de Portugal, amanhã teremos quatro jogos e na terça-feira o confronto entre o Gil Vicente e o surpreendente Paços de Ferreira bem liderado por Pepa! E o interessante é que nas meias-finais da Taça de todos, Futebol Cube do Porto e Sporting de Braga reencontram-se e repetem, com poucos dias de diferença, a partida para a Liga NOS! Se olhássemos ontem para a classificação a diferença entre o primeiro e o quarto era de nove pontos e a diferença entre o sétimo - Moreirense - e o último, o Boavista, era tão só de sete pontos! Vamos ter uma Liga renhida e com muita e emoção já que, esta época, para além de descerem os dois últimos classificados, o 16.º disputa com o terceiro da Liga 2 um play-off! E, aqui, importa que o Benfica não ignore que o Estoril, seu adversário nas meias-finais da Taça de Portugal, é o líder destacado dessa Liga 2! Mas o que fica é a diferença de quase apenas duas vitórias entre o último e o 7.º classificados da nossa Liga. Realidade e números bem diferentes se olharmos para outras ligas, particularmente para as grandes ligas. Nas principais ligas europeias a diferença de sete - ou oito! - pontos ocorre , em regra, no meio das diferentes tabelas. Seja na Alemanha, em Itália ou em França. Em Espanha a diferença entre o 14.º - o Valência(!!!) - e o último, o Huesca, é igualmente de sete pontos! E sabendo que este mercado de inverno no que diz respeito a transferências vai ser um mercado bem fraco, diria muito frio, seja em razão do Covid-19 e das suas terríveis restrições, seja das consequências da saída do Reino Unido da União Europeia. O Brexit aí está também ao nível do desporto e, em particular, o futebol está sujeito a novos e diferentes paradigmas. Que também levarão a UEFA, de novo com dedo português, a reformular as suas competições e, entre elas, a Liga dos Campeões. Que caminhará, com consequências nas competições internas, para uma Super Champions! Para responder à ideia de uma Superliga Europeia que promete - prometia ? -, para os clubes fundadores, um financiamento da ordem dos 3,5 mil milhões de euros e, entre eles, uma parte para mitigar os efeitos económicos e financeiros do Covid-19! Os tempos que se aproximam serão bem interessantes. A todos os níveis e para além das prioridades e vicissitudes internas no que diz respeito à vacinação!
Esta semana, entre milhares de vidas que nos deixaram, partiu um treinador que me marcou como benfiquista: John Mortimore. Chega pela primeira vez ao Benfica em 1976, trazido pelo Doutor Borges Coutinho, e leva a equipa ao tricampeonato. E só ganha o primeiro jogo à quarta jornada face ao Académico - sim, Académico! - de Coimbra. Era uma equipa de monstros: Bento e Toni, Pietra e Vítor Martins, Nené e Chalana, Artur e Vítor Baptista, Moinhos e Diamantino, José Luís e Shéu, Moinhos e Nelinho, Eurico e Alhinho, Barros e Romeu, Alberto e Messias, José Henrique e José Domingos. Há quase nove anos, em Londres, no intervalo de um extraordinário jogo entre o Benfica e o Chelsea, recordo-me bem que intensamente o aplaudi e lhe agradeci o seu tempo no Benfica. O que sei é que nessa noite de 4 de abril de 2012 - e num Benfica de luxo com Aimar e Witsel, Luisão e Jardel, Cardozo e Rodrigo, Gaitán e Matic , Artur e Javi García, entre tantos outros - todo aquele emblemático Stamford Bridge aplaudiu, de pé e com fervor, o já saudoso Senhor John Mortimore. Havia disputado 279 jogos pelo Chelsea e havia levado o Benfica à conquista, entre outras, de dois títulos nacionais. Aquela equipa e o percurso vitorioso de 1976 - a partir da 6.ª jornada, e depois de uma derrota em Setúbal - levaram-me a muitos estádios de Portugal. Levaram-me, entre outros muito conhecidos, à Póvoa de Varzim e ao Montijo, a Aveiro e a Matosinhos, à Tapadinha (sim ao Atlético!) e a Coimbra, em particular. E em Aveiro jogava no Beira Mar o saudoso Senhor Eusébio da Silva Ferreira e o jogo terminou com um empate a dois golos! E na vida, nesta vida, a memória é o essencial. Como a gratidão, por vezes tão esquecida! Até para não deixarmos a consciência vazia!