Cronometrar as compensações e a ideia de fora-de-jogo de Wenger: há que refletir
FOTO VÍTOR GARCEZ/ASF

Cronometrar as compensações e a ideia de fora-de-jogo de Wenger: há que refletir

OPINIÃO24.01.202410:00

A chave do sucesso universal do futebol é um conjunto de regras simples e estável

O segredo da universalidade do futebol, incomparável a qualquer outra modalidade desportiva pela absoluta intercontinentalidade, reside essencialmente na simplicidade e na perenidade das 17 leis que regem oficialmente o jogo desde final do Século 19.

A porventura mais complicada destas leis é a 11, do fora-de-jogo, e ao contrário do que muitas vezes intuímos existe desde os primeiros esboços feitos por ingleses, mais tarde formalmente definidos pelo International Board. Sofreu alterações ao longo da centenária história da modalidade e é de crer que todos quantos a seguem percebem o que é e para que serve.

Todas as outras regras são maravilhosamente simples. Anualmente, o International Board atualiza detalhes da aplicação das mesmas, mas raramente introduz alterações estruturais. São leis periodicamente regulamentadas, por assim dizer.

Desde 1886, podemos apontar quatro mudanças de grande relevo: substituições (1958, apenas em caso de lesão, e a partir de 1970 por opção), cartões (1970, inspirados nos semáforos de trânsito), desempate por penáltis (1970) e inibição de os guarda-redes jogarem com as mãos após atraso com o pé de um companheiro de equipa (1992). Tudo o resto mantém o espírito das 17 leis fundadoras.

Há, por isso e muito justificadamente, enorme relutância em mexer demasiado, como outras modalidades foram forçadas a fazer por forma a granjearem mais adeptos mundo fora.

Ainda assim, novas ideias surgem e algumas merecem atenção.

A introdução do VAR está a ter forte impacto nos espetáculos de futebol, mas não mexeu na essência das regras. Decorrem daqui, porém, algumas especificidades que já conduziram a boas propostas. A melhor parece ser a de Arsène Wenger, que defende a punição de fora de jogo apenas se nenhuma parte do corpo do infrator estiver em linha com o penúltimo defesa. Manter-se-ia a polémica em torno da eventual falibilidade da tecnologia e dos homens que a manuseiam, mas manter-se-ia a adequação ao espírito original da lei: impedir que um jogador retire vantagem de uma posição irregular, o que é óbvio não suceder quando a unha de um dedo grande do pé pode determinar essa irregularidade. Anular golos por 2, 10, 15, 20 ou mesmo 30 centímetros é um preciosismo que não favorece o espetáculo.

Outro tema que se tem levantado é o do tempo de jogo útil. Para atacar o problema das baixas percentagens, não falta quem advogue que o jogo passe a ser cronometrado, à imagem do que sucede noutras modalidades coletivas, incluindo o afilhado futsal.

Excluindo uma eventual supressão do fora-de-jogo, que retiraria a inteligência ao jogo, não vejo outra medida mais prejudicial àquilo a que todos nos habituámos a conhecer como futebol. Desde logo porque se joga numa área enorme e ao ar livre; porque prejudicaria a previsibilidade de duração, importante para o negócio das TV, entre outros considerandos possíveis.

Mas há uma boa ideia a ter em conta, da qual o treinador Rui Vitória, por exemplo, já falou: cronometrar os tempos adicionais de cada parte. O impacto no jogo seria reduzido, porque focado em períodos curtos e concretos, e seria concedida, de facto, uma compensação pelo tempo que os árbitros entendem (segundo critérios objetivos e uniformes) ter sido desperdiçado durante os 90 minutos.

Mexer no futebol, sim, mas devagar e com muito tato.