Comprar, vender e sonhar
Rúben Amorim quer mesmo Ioannidis (Foto Imago)

Comprar, vender e sonhar

OPINIÃO24.08.202408:30

'Porque hoje é sábado' é um espaço de opinião semanal de Vítor Serpa

 Falta uma semana para o fecho do mercado. Nenhuma equipa portuguesa parece satisfeita com aquilo que tem. A tentação é grande, mas os cofres estão demasiado vazios. Mesmo assim, talvez a loucura compense. Às vezes, um tiro, um único tiro e acerta-se no meio do alvo. Ou não. O tiro pode sair de um olho estrábico e falhar clamorosamente o alvo.

No Benfica, estuda-se a engenharia financeira da contratação de mais um avançado e de mais um lateral. Assim, de memória, já não consigo alinhar neste texto o número verdadeiramente estratosférico de laterais contratados e dos tiros vesgos que os tornaram irrelevantes. Mas há, na Luz, uma ânsia, que começa a parecer vício, de contratar e de meter muitos jogadores em cima do problema da equipa jogar pouco e jogar sem rumo.

No Sporting, tal como tem acontecido nas últimas épocas, assume-se a consolidação de uma política de contratação mais cirúrgica, mais responsável, mais metódica. Surgem planos B e C, mas percebe-se que Rúben Amorim quer mesmo contratar o grego Ioannidis, o que, se por um lado demonstra profissionalismo e rigor, por outro cria evidentes problemas na negociação, porque quem muito quer tem de esperar maiores dificuldades para ter.

Quanto ao FC Porto, limitado no seu conhecido emaranhado financeiro, que a anterior administração do clube deixou como prenda ao pescoço do dragão, a mira aponta para um avançado sueco, conhecido por lutar e correr muito, na esperança de que, assim, ainda se vá a tempo de corrigir o indesculpável erro de não ter reparado em Gyokeres, antes do Sporting.

A verdade é que esta será uma semana nervosa, instável, perturbadora para a grande maioria dos treinadores das equipas portuguesas. Não conhecer o plantel definitivo é sempre uma condicionante forte e, no entanto, nenhuma equipa portuguesa, das maiores às mais pequenas, pode, alguma vez, garantir que ninguém sai e ninguém entra.

Portugal é um país de muitas dependências, mas a maior delas será a competência das administrações. Acontece também no futebol. Não é possível contratar os melhores jogadores do mundo, mas é possível fazer boas equipas com jogadores da formação, mais os jogadores que acrescentam valor sem arrasar cofres exaustos. Daí que a relação entre treinador e administração tenha de ser muito especial e, sobretudo, muito inteira. Não se trata, apenas, do treinador se limitar a pedir e a esperar o que entendam dar-lhe. Ao contrário do que muitos dizem, os jogadores não são só para jogar e os treinadores não são só para treinar. Decisivo haver sintonia no projeto e unidade no plano.

Os clubes portugueses sabem, pois, que o seu destino é vender, comprar e…sonhar. Não cometer erros a vender e a comprar é o que permite a realização do sonho. Poucos o conseguem.

É verdade que o futebol se deixou capturar por um neocapitalismo sem dó nem piedade do histórico e da alma popular do futebol. E ainda será um jogo do povo, porque as televisões o transformam num espetáculo de massas. Por detrás, existe uma indústria poderosa que torna os clubes ricos cada vez mais ricos e os clubes pobres cada vez mais pobres.

É precisamente por isso que a sobrevivência dos clubes pobres e remediados, como os portugueses, se joga decisivamente no rigor, na resiliência  e na competência de todos os profissionais de cada um desses clubes.

Dentro da área

--------
Lamento de PC


Pinto da Costa vive tempos de sombra. É sempre difícil, para quem viveu uma vida longa ao sol. Na mais recente oportunidade de falar, recuperou a humildade do lamento. O ex-presidente lendário do FC Porto queixa-se da ingratidão dos seus antigos colaboradores, que mal sentiram que o vento estava a mudar no clube, logo se passaram para o outro lado. É só o princípio de muitos que prometiam não o esquecer…

Fora da área

Madeira que arde

Não consigo entender, por muito que me expliquem os méritos de certas políticas autónomas, que se tenha esperado oito dias para recorrer a meios externos, mas essenciais  para, enfim, combater um incêndio que devastou montes e vales de uma floresta única na Madeira. A sobreposição dos interesses políticos sobre o bem público é abjeto. Nem a Madeira, nem os madeirenses merecem esta gente.