Com os olhos sempre postos na bola
Comentadores políticos aprenderam com as discussões televisivas sobre futebol. Cada qual defende o seu clube e pede a camisola do líder
Começou o campeonato nacional das eleições legislativas. Estamos na fase de qualificação e todos os jogos são transmitidos pela televisão. É bom que não haja VAR neste campeonato. Se houvesse, os jogos estariam sempre a serem interrompidos por faltas graves que o árbitro não assinala. Mais importante do que os jogos, os golos marcados e os golos sofridos, é a discussão depois de cada desafio levada a cena por um autêntico enxame de comentadores e jornalistas. Mesmo aqueles que dizem que não gostam de futebol, têm sempre os olhos postos na bola. Defendem o seu clube com unhas e dentes e pedem as camisolas dos seus queridos líderes.
São bons alunos. Aprenderam rápido com alguns comentadores desportivos e por isso sabem todos os truques para poderem trocar o argumento equilibrado, consistente e independente pelo espetáculo de entretenimento de uma acesa discussão de café.
Muito esta gente falou, durante anos e anos, na questão do clubismo dos jornalistas desportivos. Queriam saber a que clube pertencia o coração de cada um deles e faziam dessa falácia um ponto de honra e uma suposta demonstração de que jornalista com clube deveria ser jornalista interditado e impedido de ter opinião.
Ei-los, agora, dando notas à exibição dos seus jogadores e decidindo sobre o melhor em campo. Independentemente do resultado, guardam-se os mais rasgados elogios para os da sua equipa e para os seus ídolos e as mais tremendas críticas para os adversários.
O povo, espectador distraído e cansado de pensar na sua triste vida, assiste, participa e diverte-se. Vai passando de canal em canal, o desporto preferido dos portugueses, e tal como antes acontecia com o futebol, em que os programas de discussão das coisas da bola se sucediam para lástima dos fieis amantes do Big Brother e das telenovelas, preguiçam em frente da televisão até serem horas de irem para a cama.
Está no poder a sociedade do vazio de que nos fala Lipovetsky e, hoje, seja na justiça, na educação, na saúde, nas contestações de rua, na política, na economia, nas alterações climáticas, seja no que for, incluindo as tragédias da guerra, se não tiver espetáculo, não existe. E este é um problema sério para o futebol, para o teatro, para o cinema e todas as indústrias que precisam de espectadores para viverem. Tudo é concorrencial porque tudo se pode transformar num entretenimento capaz de captar atenção popular.
Neste modelo de campeonato, todos aqueles que não são para levar a sério têm a grande vantagem de jogar em casa e assim se tornam terríveis adversários. Não interessa o que dizem, o que falam, o que pensam. Interessa o seu poder de atração, a sua destreza no malabarismo, a sua técnica de equilibrismo sobre o arame.
Noutras eras, muitos se queixavam de que o futebol influenciava negativamente o desenvolvimento social. Hoje, é o futebol que se queixa, e com razão, de que é a sociedade a influenciar negativamente o desenvolvimento do futebol. Seria divertido, se não fosse também dramático.
Teremos circo grátis garantido até ao 10 de março. Regularmente, comentaremos as classificações da jornada com os números da indústria das sondagens e quando chegar o dia das eleições teremos, enfim, a nossa final do Super Bowl.
Decidido o vencedor, será o tempo de coroação do líder e de exaltação dos seus adeptos, mas no dia seguinte, porque haverá sempre um dia seguinte, o país voltará a ser o que era, a vida difícil, o mundo um lugar inseguro, e muitos comentadores descobrirão, com espanto, como é volátil a popularidade nestes tempos.
Os senhores embaixadores
O que Cristiano Ronaldo e Rafael Nadal têm de comum, além de serem, ambos, grandes campeões? A resposta é: são embaixadores da Arábia Saudita. É verdade que o português abriu um caminho difícil e muito criticado, por representar um país em que os direitos humanos estão em causa, mas a verdade é que foram surgindo alguns sinais mais esperançosos de abertura e, talvez animado por essa evolução, Rafael Nadal decidiu juntar-se a Cristiano e aceitar o convite para ser o embaixador do ténis saudita.
A difícil arte de fotografar
O fotógrafo como entidade autónoma do jornalismo está em extinção. Alguns dirão que é a razão dos tempos. Talvez, mas é uma lástima, porque os repórteres fotográficos tinham um olhar único sobre a vida e faziam da sua profissão uma arte de acesso popular. Lembro, claro, o inigualável Nuno Ferrari, um dos meus ídolos em A BOLA. E lembro outros grandes fotógrafos como o Eduardo Gageiro. Quem quiser entender melhor do que falo, vá a Cordoaria Nacional ver a exposição de Gageiro. Perceberá o que andamos a perder.