Cabeçada de Matheus Reis em tribunal
Matheus Reis (IMAGO)

Cabeçada de Matheus Reis em tribunal

OPINIÃO11.03.202412:30

Em Inglaterra, quando Hazard agrediu um apanha-bolas em 2013, cumpriu três jogos. 'Direito ao golo', por João Caiado Guerreiro

No dia 20 de agosto de 2022, no jogo entre o FC Porto e o Sporting, Matheus Reis terá dado uma cabeçada num apanha-bolas menor de idade. Se foi agressão ou não, e a presunção de inocência aplica-se aqui, é questão para os tribunais decidirem. Isto porque o Ministério Público decidiu acusar o jogador do Sporting de Ofensa à Integridade Física Simples.

Como sabemos esta questão já foi objeto de julgamento pelo Conselho de Disciplina da FPF, tendo este decidido de modo diferente, considerando que «(...) todos os elementos da equipa de arbitragem, incluindo VAR e AVAR, (...) viram as condutas em apreço em toda a sua extensão, tendo realizado o respetivo ajuizamento (...)», que foi cartão amarelo.

Assim, como o jogador já foi punido nos termos da doutrina do campo de jogo, que segundo o Conselho de Disciplina tem aplicação no caso vertente, o Conselho de Disciplina autocoloca-se, cito, «fora de jogo». Tudo porque defendem que os elementos da equipa de arbitragem vieram aos autos afirmar que percecionaram os lances em toda a sua extensão.

Esta doutrina do campo de jogo, de origem jurisprudencial, diz que aquilo que já foi julgado pela equipa de arbitragem não o pode ser outra vez. Ora, o Regulamento Disciplinar da FPF prevê, no seu art.º 148, n.º 1, que o «jogador que agrida fisicamente agente desportivo - e o apanha-bolas é um agente desportivo - (...) é sancionado (...)». A doutrina aplica-se aos que fazem parte do jogo, jogadores, árbitros e treinadores, mas não deve ser aplicada ao apanha-bolas, que é menor e não participa, mesmo que seja, e é, agente desportivo, art.º 4, alínea, b) do regulamento. Em Inglaterra, quando Eden Hazard agrediu um apanha-bolas em 2013 cumpriu três jogos de suspensão!

O Ministério Público, porém, tem opinião diferente. Considerou que a cabeçada foi ofensa corporal punida pelo n.º 1 do art.º 143 do Código Penal: «Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.» E, claro, acusou Matheus Reis. Mas só o fez porque o apanha-bolas, ou melhor, os pais por ele, fizeram queixa no âmbito do n.º 2 do já referido código, que diz que o «procedimento criminal depende de queixa (...)».

O rapaz não terá sofrido qualquer lesão, pelo que fica nas mãos do tribunal decidir. É provável que a sentença fique pela pena de multa ou outra sanção que não envolva prisão. Realço que uma vez mais vemos um caso em que a jurisdição é dupla: o Conselho de Disciplina decidiu sobre um assunto em que os tribunais também vão decidir (art.º 6 n.º 1 do regulamento disciplinar).

Hoje o Direito ao Golo é inspirado no Dia da Mulher, comemorado na passada sexta-feira, pelo tanto que as mulheres têm feito pelo desporto nacional ao longo das últimas décadas - como esquecer aquela Maratona da Rosa Mota em Seul - e pela sua capacidade intrínseca de superação, génio e força para conquistar tudo o que desejam.