Pontapé de Estugarda ‘Blackout’ com as luzes acesas
Dois dias de contactos com ucranianos em Kiev e na Alemanha fizeram-me perceber o motivo de eles terem surpreendido o mundo pela forma como resistiram à invasão russa
As mensagens demoravam muito a chegar, mas acreditei que fosse por causa do excesso de trabalho ou de solicitações que a impedissem de responder em tempo útil. Depois percebi que era por causa dos blackouts, os cortes de energia que duram em média 10 horas na capital da Ucrânia. Sem energia não há internet, logo, as comunicações de civis podem tornar-se um inferno. Mas um povo em guerra aprende a encontrar soluções. Ser diligente, ter uma atitude proativa e muita dedicação é uma forma de contornar os obstáculos.
Conseguir organizar encontros com cidadãos ucranianos vítimas da ocupação russa em hotéis diferentes de Estugarda separados por mais de 30 quilómetros, em dia de jogo ao final da tarde e tudo a partir de Kiev pode ser uma dor de cabeça logística, mas nos dois dias de contactos com a Alina, Olina e os dois Oleksandr (uma das assessoras da federação lembrou-me, a brincar, que todos os homens de chamam assim) deu para entender o porquê desta gente ter surpreendido o mundo pela forma como resistiram aos ataques em escala da Rússia em fevereiro de 2022. São ágeis, não têm redundâncias, cumpridores e decididos em passar uma mensagem. Porque sabem desde há muito tempo que esta guerra se vence através da comunicação. Decorreram mais de dois anos desde que o mundo não falava de outra coisa e portanto é normal o assunto deixar as primeiras fileiras mediáticas. Os bombardeamentos deixam de ser abertura de jornal porque se tornam o novo normal e só será verdadeira notícia quando um dos lados cair.
A Ucrânia encontrou no Euro 2024 um palco para recolocar o foco no seu território: trouxe uma bancada destruída do estádio de Kharkiv para expor em várias cidades alemãs (começou em Munique, passou para Dusseldorf e irá deslocá-la para Berlim, palco da final), fez campanha nos estádios e tentou mitigar a dor de muitas vítimas diretas e indiretas de uma guerra que parece não ter fim e cuja indefinição e indiferença serão porventura um inimigo tão feroz quanto o invasor. O pior blackout é aquele que se dá com as luzes acesas.