Benfica: Munique tem um responsável
'Livre e Direto' é o espaço de opinião semanal de Rui Almeida
Chegar, ver e vencer não é para todos. E, no futebol profissional como na vida, há vários caminhos para a vitória, e várias vitórias por alcançar.
Desde logo as da coerência e da consistência, fatores e valores essenciais para conseguir subir degraus competitivos, para ser sólido na comunicação interna e externa e para estar mais próximo de, a cada desafio, a cada momento, corresponder com competência e candidatura assumida às vitórias.
No Benfica, Bruno Lage, nesta sua segunda passagem, tem revelado alguns equívocos em pormenores que, analisados superficialmente, podem passar despercebidos ou de menor significado, mas que merecem um olhar mais profundo e cuidado.
O simples facto de ter cumprimentado todos os jornalistas na primeira conferência de imprensa após a sua confirmação como sucessor de Roger Schmidt quis mostrar simpatia, quis revelar respeito e memória por aqueles — e terão sido muitos — que o acompanharam na primeira passagem pelo clube da Luz (que, apesar de tudo, rendeu um título nacional aos encarnados).
Mas, do ponto de vista da comunicação externa, transmitiu uma sensação exatamente contrária à que (sempre pensei e continuo a pensar) deve nortear a relação entre agentes dos media e protagonistas do futebol profissional: distanciamento quanto-baste, pouca familiaridade e quase nenhuma intimidade ou amizade pessoal.
Um velho companheiro de lides, Aurélio Márcio, escriba de A BOLA e bastião de ética e transparência na atividade jornalística, disse-me um dia, acabados de aterrar em Zurique e quando soubemos que os nossos quartos de hotel se situavam exatamente no mesmo piso dos quartos dos jogadores da Seleção Nacional, cujo encontro com a Suíça iríamos cobrir, em Neuchâtel, que o pior para a nossa vida de andarilhos era a excessiva proximidade com o objeto do nosso trabalho.
Lage não entrou da melhor forma, portanto, neste novo consulado técnico no clube da Luz, mas os resultados (sempre esses ditadores da absoluta verdade…) ajudaram-no a criar de novo, sobretudo com os associados e adeptos, uma correia de imensa confiança.
Subitamente, tudo se quebrou num final de tarde de quarta-feira, na cidade que ainda vive e respira os resquícios da maravilhosa Oktoberfest.
Tenhamos consciência da dimensão e da importância das representações nacionais nas principais competições da UEFA. Uma dimensão financeira muito significativa, mas também um enquadramento desportivo inigualável no panorama futebolístico de alto rendimento europeu. A responsabilidade é um fator indissociável das camisolas e dos símbolos, e ela obriga-nos a um profundo respeito pelo passado, pela história, pelos heróis do passado e pelos sonhos dos adeptos no presente.
Tudo o que o Benfica negligenciou na Allianz Arena.
Frente a um Bayern longe de ser a locomotiva ofensiva, jogando em plena posse e progressão a um ritmo alucinante como aconteceu, por exemplo, nos não tão longínquos tempos de Jupp Heynckes, a equipa portuguesa confirmou uma espécie de síndrome de pequenez que surpreendeu adversários diretos (João Palhinha, por exemplo, foi muito sincero após o jogo), e até, pela postura tática defensiva, jogando baixo e muito abaixo das possibilidades, mostrando a todos os que gostam de futebol o pior Benfica da época (bem abaixo, por exemplo, do que perdeu em Famalicão por 2-0…), também deixou estupefactos os próprios jogadores do plantel da Luz.
Reparem que, para o que hoje vos quero dizer, pouco interessa o resultado (que, a bem dizer, acabou por ser melhor do que muitos dos alcançados por equipas portuguesas frente ao mesmo adversário, no mesmo local).
O que pretendo realçar é a incapacidade de pensar largo, de ser ambicioso, de mostrar que respeito não significa receio, de atacar objetivos que podem verdadeiramente projetar equipas para o primeiro plano do futebol internacional.
Um Benfica pequenino, triste, demasiado pouco para tanto desafio e para tamanha oportunidade.
Será este o Benfica de Lage, o treinador que, porque ia defrontar o Bayern na Baviera, mudou o sistema e trancou um autocarro de dois pisos, com atrelado e tudo, à frente da baliza de Trubin? Será lógico, do ponto de vista da gestão de balneário, mudar tudo para um jogo da Champions League que qualquer jogador gostaria de protagonizar com alguma liberdade, com mobilidade, com carisma?
Que tipo de mensagem interna passou Lage para o seu grupo de jogadores? Como irá motivá-los para os próximos encontros, mesmo que saibamos que um clássico é um caso à parte?
E quando uma equipa pequena da Liga portuguesa chegar ao estádio da Luz e trancar os caminhos como o Benfica o tentou fazer em Munique, como reagirá Lage na comunicação externa, nas justificações para os seus adeptos?
Repito: não é do resultado final que se trata. É do resultado global, da pequenez contida na ideia de jogo e na tática apresentada, no começar a perder o jogo com a ideia, na mensagem que fica para os adeptos do futebol e, acredito, essencialmente para os adeptos do Benfica.
Sabendo que o futebol é o momento e que a derrota de hoje é de curta memória se sucedida pela vitória de amanhã, não é menos verdade que Lage é o principal responsável, mesmo que o inadvertido soundbite de Ricardo Lemos o tenha deixado atordoado…
Cartão vermelho
O ignóbil ataque de que foram vítimas os adeptos do Maccabi Telavive, na noite de quinta-feira, após o jogo de Amesterdão com o Ajax, é a prova cabal de que o futebol e as suas franjas podem sofrer muito com a geopolítica mundial, com a imprevidência do excesso de declarações públicas, com a tendência para a generalização do discurso e da sua radicalização. Não é justo que um grupo de excursionistas do desporto sofra na pele uma emboscada de terror, e faz-nos pensar o que pode ainda estar para chegar. Independentemente dos protagonistas, competirá sempre às autoridades locais uma precaução suplementar quando se trata de comitivas desportivas oriundas de Israel (o que, de resto, faz parte das preocupações de qualquer organizador de competições desportivas desde os Jogos Olímpicos de Munique, há 52 anos), mas também importa sublinhar os crescentes radicalismos de opinião que, quase sempre, conduzem a ações violentas, sem quartel e sem qualquer justificação.
Cartão amarelo
Jogar uma partida de futebol é, sempre, até ao apito final do árbitro. O modo como o FC Porto sofreu os dois golos em Roma demonstra uma falta de concentração letal a um nível competitivo europeu ou mundial. E não vale a pena Vítor Bruno enfatizar os méritos da exibição portista frente à Lazio (que, de facto, foram alguns), sem um discurso duro entre portas para momentos inaceitáveis como os que os azuis e brancos viveram no estádio Olímpico. Um sinal de alarme que deve ter deixado Villas-Boas à beira de um ataque de nervos.