Benfica, Lage e Vieira: uma semana do melhor e do pior
Festa de um dos golos do Benfica ao Santa Clata (Imago)

Benfica, Lage e Vieira: uma semana do melhor e do pior

OPINIÃO17.09.202410:01

'Selvagem e sentimental' é o espaço de opinião do benfiquista Vasco Mendonça

A estreia de Bruno Lage deu aos Benfiquistas aquilo que mais precisavam: razões para voltar a sorrir. Os mais cínicos gostam dizer que o futebol é o ópio do povo, para denunciar uma espécie de empecilho civilizacional causado por esta modalidade, mas tenho para mim que estávamos todos a precisar de uma dose de ópio, e não temos vergonha em admiti-lo. Os efeitos colaterais do ópio ficam para outro dia, mas por agora fica a euforia de voltar a ver o Benfica em casa, a jogar melhor, e a prometer mais.

O onze ainda em evolução, mas a dar sinais de querer muito a bola, com várias aproximações ao tal futebol divertido que Lage prometeu aos adeptos. A equipa, que ainda tem muito trabalho pela frente, a mostrar que tem condições para competir a muito melhor nível do que o exibido até aqui. A bola a circular mais depressa e a percorrer caminhos novos, uma visão que parecia longínqua na era Schmidt.

Pedia-se impacto imediato a Lage e aos seus jogadores, e foi isso que aconteceu frente ao Santa Clara. É verdadeiramente impressionante ver a diferença ao fim de 2 dias de treinos: nada está ganho e há muito para afinar, mas, em 2 dias, o treinador do Benfica pegou nos ovos e, pasmem-se, fez uma omelete. Não há nada de especialmente notável nisto. Foi por esse motivo que a esmagadora maioria dos adeptos queria ver Schmidt fora do clube, antes que os ovos se estragassem de vez.

Um novo esquema tático, jogadores a atuarem na posição certa pela primeira vez em muito tempo, a genica de quem parece ter recuperado a alegria de jogar à bola, futebol com mais profundidade e verticalidade, e um reforço especialmente promissor: por agora é impossível perceber a longevidade ou a consistência desta equipa, mesmo sabendo da qualidade disponível. Mas os sinais da estreia foram bons e deram a entender que vai haver melhor futebol na Luz esta época.

De todas as primeiras impressões, há uma que fica: Akturkoglu parece especial. Jogadores elétricos costumam ver retribuído esse sentimento na Luz. Que se confirme! Acima de tudo, todos merecíamos voltar a ver bom futebol, depois do suplício que foram estes últimos largos meses. A gestão de todo este processo foi penosa e danosa.

Dia 21 é para fazer história

Sábado vota-se uma das mais importantes mudanças na vida do Sport Lisboa e Benfica. Sobre a revisão estatutária, é importante elogiar o esclarecimento feito pelo vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral, José Pereira da Costa, na BTV e no site oficial do clube. Para lá da forma esclarecida como reconhece e articula a importância deste momento, são dados esclarecimentos úteis, em tempo útil, para fazer deste dia um momento histórico e é reforçado o motivo: apelar à participação de todos os associados que assim o entendam, nas votações e na discussão das propostas. Lamento, ainda assim, que as propostas de revisão na especialidade tenham sido partilhadas de forma pouco organizada.

Mas vamos às boas notícias. Num período em que, merecidamente, tantas críticas são feitas ao modo como o Benfica comunica nas mais diversas dimensões institucionais, acho que também se deve elogiar quando algo está bem. Há nestes esclarecimentos do clube uma coisa importante, que raramente vejo no uso da palavra por parte de figuras do clube: uma vontade de informar com clareza e até um entusiasmo em relação a um dia que deve ser uma festa de cidadania Benfiquista. O resultado será um Benfica mais transparente, mais democrático, com um modelo de funcionamento moderno, um Benfica mais aberto à participação cidadã. Um Benfica mas fiel à sua tradição associativa.

Aqui chegados, a baliza está escancarada e só falta empurrar a bola para lá da linha de golo. Aquilo que vai ser votado pode não representar na perfeição tudo o que consta da ambição original das diferentes propostas apresentadas, mas o esforço de conciliação representa um salto quântico face aos estatutos atuais do clube. Sobre isso, deve ser reconhecido o papel fundamental que alguns sócios desempenharam neste processo: da comissão criada por João Noronha Lopes ao movimento Servir o Benfica, passando pela abertura que a direção demonstrou para fazer deste um processo colaborativo.

A futura constituição do Sport Lisboa e Benfica dever-se-á à participação de todos os sócios neste processo, mas em especial a estes associados que deram mais de si ao longo deste processo. Demorou bastante, mais do que devia, mas estão finalmente reunidas todas as condições para acontecer.

Thinking Football Summit

Estive no Porto há uns dias para acompanhar a Thinking Football Summit, organizada pela Liga Portugal. Foi a primeira vez que estive no evento e vim de lá bem impressionado: com a qualidade da organização, com a amplitude de temas abordados, com a qualidade dos convidados e com a profundidade dada aos muitos temas abordados, e também com a forma desempoeirada como ali se discutiu diferentes aspectos da modalidade.

O futebol português tem muitos desafios pela frente, mas parece-me que eventos como este são passo em frente. Espero que possa ter adesão mais alargada, mesmo que em diferido, através do acesso às conversas interessantes que ali aconteceram.

Luís Filipe Vieira

A entrevista do ex-presidente do Benfica até merece uma análise cuidadosa — ou não tivesse sido a primeira ocasião em que o vi levar notas para uma entrevista. Merece também um trabalho aturado de fact-checking, tal foi a velocidade a que faltou à verdade e se contradisse em relação à sua própria liderança. Nos seus melhores momentos, Vieira é um comunicador castiço, convincente até. Tem a seu favor o facto de parecer mais competente a dormir do que esta direção acordada. Nos seus piores momentos, Vieira revela a arrogância de quem convive mal com a diferença e com o afastamento do poder, como nas sucessivas ocasiões em que disse que faria melhor do que quem lá está, sem explicar claramente como ou porquê, fazendo uso de capitais próprios que ainda julga possuir.

Só faltou explicar porque é que tantas vezes se revelou incapaz de fazer melhor enquanto foi presidente. Deixou muitos recadinhos, escolheu criteriosamente os seus alvos, atacou-os de forma arrasadora, incluindo todos aqueles a quem deu guarida durante muitos anos, sem nunca refletir verdadeiramente sobre a sua própria incompetência. Aproveitou para sugerir um presidente, sem que ninguém lhe tivesse perguntado por isso, curiosamente uma pessoa que acaba de integrar uma comissão não-executiva da SAD (seguramente com boas intenções). Vieira seria incapaz de outra coisa. Escondeu o jogo à sua maneira, deixando margem para uma vaga de fundo pelo seu regresso, quem sabe desta vez integrando nos órgãos sociais os empresários a quem distribuiu comissões que até hoje ninguém sabe explicar. Afirmou-se contra mudanças previstas nos futuros estatutos, com argumentos tão escorreitos que até parecem ter sido escritos por outra pessoa. Esteve duas horas na tv a explicar que no fundo a única que falta ao Benfica são mais 20 anos de Luís Filipe Vieira. Só lhe faltou fazer uma coisa: mostrar que gosta mais do Benfica do que do seu ego frágil.

Acontece que não somos todos papalvos. Fará sentido voltar a escrever sobre Vieira, até porque fez escola no Benfica. Vamos libertar definitivamente o clube desse fantasma e da cultura personificada em muitos dos que hoje estão no clube, e que o próprio agora rejeita, qual representante da oposição. Por agora, espero que o antigo presidente seja presenteado com uma votação histórica no dia 21. Sem recadinhos nem meias palavras, sem agendas ocultas nem manias de grandeza. Só o Benfica a acontecer, arrasador e indiferente à sua vontade. Como deve ser.