Benfica: e não é que Kokçu tinha razão?
Kokçu, futebolista do Benfica. FOTO MIGUEL NUNES

OPINIÃO Benfica: e não é que Kokçu tinha razão?

As pessoas gostam de saber que os jogadores percebem do jogo, mas são raros os exemplos fora da caixa. O turco do Benfica foi um deles, e não é que estava certo?

Os adeptos, de um modo geral, gostam de ouvir jogadores de futebol falarem sobre o jogo. Não acontece muitas vezes, talvez seja também por isso — pela raridade. E quem diz jogadores diz, já agora, treinadores no ativo. Não são assim tantos os que falam descomplexadamente sobre tática, estratégia, técnica, características dos adversários ou, sobretudo, motivos para as tomadas de decisão que os colocam a julgamento uma ou duas vezes por semana.

Os dirigentes, porém, não parecem gostar assim tanto. E atrás dos dirigentes vem quem, por obrigação profissional e lealdade institucional, tem de zelar pelos discursos unificados, insípidos, incolores, inócuos e alegadamente neutros que são impingidos aos empregados das SAD e das SDUQ e até de clubes de menor escala, que são apenas clubes.

Em março deste ano, o cidadão Orkun Kokçu, futebolista do Benfica, deu entrevista a um jornal neerlandês. Talvez mal habituado a uma certa urbanidade centro/norte-europeia, foi sincero e afirmou que o treinador de então, Roger Schmidt, não estava a aproveitar as suas potencialidades por não colocá-lo na posição em que mais pode render, e onde aliás tinha rendido justamente nos Países Baixos, ao serviço do Feyenoord. Foi um ai-Jesus que incluiu, até, o afastamento da convocatória para o jogo seguinte. Meteram-se pelo meio uns compromissos de seleção e a coisa ficou meio esquecida.

Passados seis meses, já com um novo treinador na Luz, parece mais ou menos evidente que Kokçu tinha razão. É um privilégio raro ouvir jogadores falarem de futebol, mas gratificante mesmo é verificar que eles, se calhar, até percebem da profissão que abraçaram.

Continuar a enclausurar os protagonistas nas jaulas dos lugares-comuns é contruibuir negativamente para um espetáculo que se quer industrializado e, acima de tudo, vendável.

Percebe-se o princípio da salvaguarda dos interesses patronais. Afinal, se um funcionário de A BOLA ou da repartição de finanças do Lumiar der entrevistas a colocar em causa a administração do jornal ou a direção da secção corre riscos. Mas na verdade quem é que quer entrevistar um funcionário de A BOLA ou da repartição de finanças do Lumiar? Esta diferença, parecendo que não, é relevante. Mais importante que os futebolistas, no futebol, só talvez a bola, mas apenas porque sem ela não se pode jogar e sem futebolistas pode simular-se um jogo. É bom saber que eles sabem o que fazem.