OPINIÃO Benfica, a 'vendetta' de Vieira
Para muitos, Vieira terá apenas querido acertar contas com Rui Costa, no momento de maior fragilidade deste. Mas será só isso que o antigo presidente do Benfica pretende?
Sendo sabido que a vingança é um prato que se serve frio, Luís Filipe Vieira escolheu o momento de maior fragilidade da presidência de Rui Costa para desferir um ataque devastador contra quem lhe sucedeu na liderança do Benfica. A estrada que liga Lisboa a Belgrado, que os encarnados, agora sob o comando de Bruno Lage, irão percorrer desde o ‘kick off’ do jogo com o Santa Clara, até ao apito final da partida com o Estrela Vermelha, é sinuosa e cheia de perigos. Pois bem, a estas dificuldades, Vieira tratou de juntar algum óleo às curvas mais sinuosas, tornando a manobra mais difícil, e o desastre menos improvável.
E fê-lo lembrando, até, que seria de bom tom o presidente da Mesa da Assembleia Geral, Fernando Seara, profilaticamente, adiar a AG marcada para o próximo dia 21, onde o tema são os novos estatutos do clube, sublinhando que essa reunião magna poderá tornar-se palco de exigência de eleições antecipadas, caso o sucesso desportivo nos próximos dois jogos não for absoluto.
Ou seja, tratou de colocar pressão em cima da pressão que já pesa sobre uma equipa pressionada, num emblema que corre sérios riscos de balcanização.
Foi Luís Filipe Vieira quem convenceu Rui Costa a trocar Milão por Lisboa, perdendo com isso alguns milhões de euros em nome de um benfiquismo sempre assumido e que, penduradas as botas do ‘maestro’, lhe deu a batuta da direção desportiva do clube, sempre exercida sob fortíssima tutela presidencial.
A ideia de dizer publicamente, em entrevista a A BOLA, conduzida por Carlos Rias, que via em Rui Costa o seu sucessor, acabou por tornar-se num ‘soundbite’ da presidência de Vieira sempre que surgia um opositor, fosse Jaime Antunes, Bruno Costa Carvalho, José Eduardo Moniz ou Rui Rangel. Até ao dia em que o céu desabou sobre a Luz, Luís Filipe Vieira foi detido para interrogatório judicial, e Rui Costa, que sempre tinha sido apontado como o delfim, se chegou à frente e tomou as rédeas do clube.
E isso Vieira nunca lhe perdoou, nem nunca perdoará. Já agora, e como passaram mais de três anos sobre a imputação a Vieira de ilegalidades contra os interesses do Benfica, em que pé está o processo, já que da auditoria forense feita pelo clube (a maior já realizada no nosso país) nada terá sido apurado, e nada se sabe dos resultados das investigações judiciais?
É neste contexto, em que a lei de Murphy se abateu sobre Rui Costa, quer nos recuos que teve de fazer na SAD, rodeando-se, finalmente, de pessoas de inegável valor, quer nas contas no vermelho, apesar das vendas que têm sido realizadas, quer na impopularidade a que, sem surpresa, se sujeitou ao manter Roger Schmidt, e com surpresa se expôs ao transferir João Neves para o PSG por valores pouco expressivos, e ainda, pelos pontos perdidos em Famalicão e Moreira de Cónegos, a que se juntou um futebol de fraco nível, que Luís Filipe Vieira encontrou o ‘timing’ perfeito para transformar a ondulação fortíssima que fustigava o estádio da Luz, numa ameaça de tsunami.
Para lá das muitas contas que Luís Filipe Vieira tratou de acertar, na entrevista à CMTV, com Rui Costa (e com Rui Pedro Braz); para lá do rombo que provocou no tecido social benfiquista, nesta altura, creio, ainda maioritariamente fiel ao presidente/adepto/ídolo, mas cada vez mais desgastado; para lá das garantias dadas por Vieira de que não tinha quaisquer intenções de voltar a ser presidente do Benfica… subsistirá sempre a dúvida se será de descartar liminarmente essa possibilidade, engrossando assim o número de candidatos às próximas eleições que, em princípio, ocorrerão em outubro de 2025.
Que soluções se oferecem, então, agora, a Rui Costa? Não conheço nenhuma que seja eficaz que não passe pelo regresso da equipa principal de futebol às vitórias e às boas exibições. E lamento que, perante questões tão importantes como os novos estatutos ou o regresso ao ‘verde’ das contas encarnadas, a resposta que ofereço seja tão redutora e tão terra à terra. Mas é assim mesmo que as coisas funcionam neste microcosmos do futebol.
Manter Schmidt tinha tudo para correr mal, e correu; Lage é a solução de recurso que pode oferecer resultados imediatos, e é nas mãos de Lage, e dependente do sucesso desta chicotada psicológica, que se encontra Rui Costa.
Se conseguir dobrar este Cabo das Tormentas; se estiver apoiado, do ponto de vista financeiro, por pessoas realmente competentes; se (e esta é a parte mais surpreendente) tiver mais critério nas entradas e saídas; então haverá futuro para Rui Costa enquanto presidente do Benfica. São muitos ‘ses’, que devem ser resolvidos jogo a jogo. A começar pelo Santa Clara…