OPINIÃO Arbitrar uma final
«É certo que todos os jogos são importantes, mas não podemos esconder que aqueles são especiais». 'O poder da palavra', por Duarte Gomes
Fui um sortudo, um privilegiado durante a minha carreira na arbitragem porque, entre tantas outras experiências memoráveis que pude viver, tive também a felicidade de estar presente em várias finais a nível nacional e internacional.
Digo-o sem vaidade mas com muito orgulho: arbitrei uma final da sempre mítica Taça de Portugal (no Jamor) e outra da Supertaça Cândido de Oliveira (em Aveiro). Fui nomeado 4.° árbitro de uma final da Taça da Liga (no Algarve) e estive presente, como Árbitro Assistente Adicional (vulgo Árbitro de Baliza), numa final da Liga dos Campeões (em Munique) e noutra do Euro-2012 (em Kiev).
Recordo esses momentos com saudade apenas para vos dizer que sei bem o que terão sentido Fábio Veríssimo e a sua equipa quando, apenas há meia duzia de dias, pisaram o relvado do Municipal de Leiria para arbitrarem a final da Allianz Cup.
É normal que quem esteja fora destas lides não tenha noção do que estou a falar. É normal que não compreenda as sensações que estas memórias oferecem. Mas acreditem quando vos digo, é um dos pontos mais altos da carreira de qualquer desportista. Pensem, por exemplo, no orgulho que sentirão jogadores, treinadores e dirigentes quando chegam, com mérito, à final de uma competição. Pensem na excitação e alegria, na forma como isso lhes enche a alma. Pronto. É exatamente isso que sentem os árbitros também.
Ter a possibilidade de estar num desses jogos, seja em que função for, é indescritível. O voto de confiança que recebemos da nossa estrutura e o reconhecimento de que estamos aptos para aquele desafio é a única motivação de que precisamos. Chega e sobra.
É certo que todos os jogos são importantes. Que todos devem ser preparados e encarados do mesmo modo, independentemente da categoria, classificação ou nome das equipas. Sabemos disso. Mas não podemos esconder que aqueles são especiais. As emoções, o frenesim, toda a agitação em torno das finais tem condimento diferente. Só o facto de sabermos que, após o apito final, haverá uma equipa que, em êxtase, levantará o troféu, e outra que ficará com a indesejada medalha de segundo lugar, acrescenta logo outra dimensão e responsabilidade.
É uma pressão diferente, que pesa de outra maneira.
Rebobinando a cassete. Tudo começa a partir do momento em que recebemos a nomeação. Daí em diante somos invadidos por sensações, notícias, atualizações sobre tudo e mais alguma coisa: os onzes prováveis, quem fica fora das opções e quem vai para o banco, como correram os treinos, o que disseram os técnicos, enfim, mil e um comentários e opiniões. É difícil abstrairmo-nos de tanta informação e mediatismo. Se não lermos os jornais e se não evitarmos as redes sociais, haverá um amigo, um vizinho ou um familiar qualquer que fará questão de nos atualizar, de nos manter a tensão a flutuar. É inevitável.
Claro que estamos a falar de boas sensações, daquelas que lá no fundo todos querem sentir e experienciar. Essa ansiedade não é vivida na negativa. Não sentimos medo, não temos pensamentos negativos ou catastrofistas, não ficamos bloqueados na sombra. Sentimos apenas flashes de imagens positivas. A energia flui a uma velocidade estonteante.
No meio de tanta adrenalina e intensidade, o importante é nunca perdermos o foco e percebermos que o nosso trabalho requer equilíbrio, neutralidade e discrição. Não somos os protagonistas daquela festa, somos os zeladores das leis e temos um jogo sério para arbitrar. Somos aqueles a quem compete fazer prevalecer a verdade desportiva com coerência e, de preferência, acerto.
Pés no chão, humildade e cabecinha fria, porque para quem apita sonho e pesadelo estão a um (mau) apito de distância.
Mas são de jogos assim que se constroem (ou destroem) carreiras. E que não restem dúvidas: estar numa final é e será sempre um espetáculo à parte.
O futebol é qualquer coisa, não é?