Amorim e Conceição

OPINIÃO20.02.202205:30

A propósito, mas não só, da semana europeia que passou

O que faltará, afinal, a Rúben Amorim para se tornar num grande treinador de futebol? Parece-me que apenas experiência. Os títulos que Rúben Amorim já conquistou, as equipas que já construiu, o treino que lhes deu, a preparação que lhes criou e o futebol que as pôs a jogar falam, evidentemente, muito além do que posso, com franqueza, analisar e compreender, porque há em todo o processo do trabalho de um treinador muito de inatingível para um mero observador como eu. Mas a experiência não se compra, nem se ganha num curso; a experiência não é um dom, nem se ganha a pensar. Como diria Jorge Jesus, só a prática é o verdadeiro critério da verdade. Enfim, exageros à parte, sê-lo-á em boa parte.
Mas Rúben Amorim, além do conhecimento e da compreensão do jogo, tem ainda outra vantagem -passe o cliché - absolutamente decisiva nos tempos que correm: uma capacidade extra para comunicar. É uma vocação e ou se tem ou não se tem. É um dom. E o dom de Amorim é tal que o jovem treinador do Sporting parece saber sempre o que dizer e compreender sempre o momento de o dizer. Ou quase sempre.
Encanta ou não encanta ouvi-lo? Claro que encanta. Sabe dizer coisas a sorrir e sabe dizê-las sem sorrir. E o discurso de Rúben soa quase sempre tão bem (para não dizer sempre, ainda que possamos estar a discordar do que diz) que, mesmo quando, momentaneamente, parece estar a ser menos genuíno e mais elaborado, faz parecer genuíno o que talvez não o seja.
É fácil concordar com a ideia de que Amorim e Conceição são os dois melhores treinadores da nossa Liga. Não sabemos exatamente se o são, mas atendendo a que conduzem as duas melhores equipas e as mais vencedoras e competitivas dos últimos quatro anos (o FCP de Conceição com 2  Ligas, 1 Taça de Portugal e 2 Supertaças, o leão de Amorim com uma Liga, 2 Taças da Liga e uma Supertaça), manda a evidência reconhecê-lo. Sendo eles, assim, por unanimidade e aclamação, os dois melhores treinadores da Liga, vejamos o que terão mais em comum e o que mais os distingue.
Em comum, parece clara a fidelidade de ambos às convicções, à ideia de jogo, ao nível de exigência e, pelo menos em parte, à forma muito aberta e frontal de gerir os grupos. Quanto à ideia de jogo, Conceição mais fiel ao 4x4x2 - que o guia desde o início -, Amorim ao 3x4x3 - com que se aplicou logo aos primeiros ensaios.
 

 

H Á, como sabemos, o lado do trabalho que se vê e o lado do trabalho que não se vê. O que se vê é como as equipas de Conceição e Amorim jogam bem o jogo que treinam, e se jogam bem o jogo que treinam é porque treinam bem, e porque os dois treinadores souberam rodear-se de profissionais suficientemente competentes para que o trabalho de equipas e jogadores mostre a competência que tem mostrado.
No caso de Conceição, aliás, já não custa nada reconhecer o perfil profissional que mostra ter, por exemplo, o adjunto Vítor Bruno, já por mais de uma vez obrigado a assumir lugar na primeira linha, não apenas pelo que parece já saber como treinador (o lado do trabalho que não se vê), mas também pelo que mostra saber dizer (o lado do trabalho que se vê), como Vítor Bruno já disse, quando teve de falar para o grande público do futebol.
Deixo, porém, uma declaração de voto: tenho pelo pai de Vítor Bruno (o meu querido Vítor Manuel, um dos maiores treinadores da velha guarda, hoje comentador da nossa A BOLA TV) uma amizade inabalável, mas não misturo (e nunca misturei) as coisas, e não é o pouco que conheço de Vítor Bruno que me faz pressentir nele qualidades para, no futuro, se soltar da asa de Sérgio Conceição - com quem trabalha há um par de anos - e voar a solo. É o que ele mostra!
Volto, entretanto, a Conceição, que conheci pessoalmente como jogador e, já estou como disse Eriksson, de quem nunca suspeitei sequer que pudesse vir a dar no treinador que deu. Impulsivo, agressivo, assertivo, tempestuoso, ansioso, a parecer permanentemente revoltado, algumas vezes a roçar mesmo a falta de educação, outras a pisar o risco e outras a ultrapassar os limites, Conceição sempre teve, porém, a faculdade de ser muito determinado e muito competitivo, altas qualidades para se ter sucesso, além do talento que Deus lhe deu.

R ÚBEN AMORIM é, por seu lado, alguém de uma modernidade ainda talvez pouco comum no nosso futebol mais na linha, perdoem-me a comparação, de personalidades como Pep Guardiola, pelo modo, quase sempre muito sensato e tranquilo, como procuram dizer coisas inteligentes que façam verdadeiramente alguma diferença em quem as ouve.
Nunca conheci pessoalmente Rúben Amorim, mas fui descobrindo a sua personalidade nos comportamentos como jogador. Extrovertido, divertido, refletido, brincalhão, comunicador, alguém que jamais fará alguma coisa por fazer ou jamais dirá alguma coisa apenas por dizer. Poderemos admitir que Amorim será, também, o resultado de um forte, protegido e, porventura, mais confortável ambiente familiar e é, pela educação, alguém, poderíamos dizer, com classe!
Já a classe de Conceição é mais empedernida, porventura esculpida nas adversidades da própria vida e de muita revolta (pela perda dos pais, por exemplo, quando era ainda um adolescente), tornando-lhe muito difícil alterar algumas características que acabaram por ficar enraizadas na personalidade. É possível (e provável) que Conceição tenha tido de lutar muito mais do que Amorim, e essas exigências, e sacrifícios, da vida deixam, muitas vezes, marcas profundas e irreparáveis.
Talvez por isso Conceição seja o tipo de pessoa que não perde muito tempo a tentar ser compreensivo; consegue ser, por vezes, até bastante insolente, e insiste muito mais em parecer, isso sim, profundamente exigente. Já o vimos, e ouvimos, a disparar para todo o lado, sobretudo sempre que algo lhe corre mal ou pressente que algo pode, subitamente, vir a correr-lhe pior.
Já disparou contra a própria administração do clube que lhe paga (ainda agora, no caso Luis Díaz), contra a sua estrutura interna, contra a própria equipa e, sobretudo, alguns jogadores, contra os árbitros, adversários ou jornalistas.
Noutro qualquer clube, talvez Conceição não tivesse sobrevivido tanto tempo no lugar, mas no Dragão bastou o presidente perceber como é importante para um clube como o FC Porto (com a essência de uma personalidade coletiva agressiva e guerrilheira) ter um treinador à Porto como Sérgio Conceição.
Rúben Amorim, pelo contrário, até agora, pelo menos, nunca disparou contra alguém a não ser para ele próprio, quando reconhece não estar ainda à altura (como ainda esta semana) do desafio (defrontar o Manchester City). E realmente parece ter razão.
Mostra Amorim, ainda assim, tanta qualidade que se Frederico Varandas vencer, como se espera, as eleições de 5 de março, e ganhar mais quatro anos de presidência leonina, deveria estender-lhe um contrato até 2026 (o atual de Amorim vai até 2024) e torná-lo no mais bem pago treinador da Liga portuguesa.
 

 

C REIO que Rúben Amorim é realmente um achado, como foi José Mourinho há vinte anos. E se é verdade que também o Sporting não resistirá, como não resistiu o FC Porto, a que lhe acabem por levar Amorim como levaram Mourinho, não podem nem devem os leões deixar de tentar manter Amorim o mais tempo possível, custe rigorosamente o que custar. Amorim, hoje, só precisa que olhem para ele na medida certa (nem oito nem oitenta), pela inexperiência que tem, pelos excessos que ainda tem, pelo muito que tem ainda de aprender e deve, a meu ver, não esquecer que, por muito bem que fale, é pela boca que sempre morre o peixe.
Talvez seja tempo de parar de falar no crescimento e nas dores de crescimento dele próprio e da equipa, e, sobretudo, arrefecer os ânimos criados pela ideia de que o Sporting passaria a conseguir ganhar tudo e mais alguma coisa com o recurso à famigerada formação.
Apetece perguntar, aliás, onde estão Joelson, Tiago Tomás ou Jovane Cabral, por exemplo, e se alguém voltou a ver… o Dario Essugo?! Julgo não valer a pena ir mais longe.

A semana europeia que passou acabou, aliás, marcada por novo valente tropeção do Sporting de Amorim, desta vez aos pés do Manchester City, o ambicioso projeto milionário de Guardiola tão mal-sucedido, ainda, na Europa.
Para o Sporting evitar ser goleado, como foi, pelo Manchester City, algumas coisas não poderiam, a meu ver, ter sucedido. Explico: qualquer equipa pode sofrer o primeiro golo que o leão sofreu; o que não pode é ver os seus jogadores desistirem simplesmente de agir e levantar o braço, como se isso servisse para assinalar um fora de jogo que nunca lhes compete assinalar. Depois, bem, depois foi a tempestade perfeita: o magnífico Bernardo Silva fez o 2-0 com um golo que aparece a cada 50 oportunidades, e o jovem Phil Foden chegou ao 3-0 com a impressionante facilidade de ver Coates traído pela escorregadela de Matheus Reis. Longe de ser avassalador, o City chegou aos 30 minutos a vencer por 3-0! O mais importante estava decidido.
Sim, pode agora discutir-se (é também a minha opinião) se devia ter jogado Ugarte ao lado de Palhinha, Matheus Nunes no lugar do recém curado Pedro Gonçalves, Nuno Santos (tão moralizado) na esquerda, e, porventura, Sarabia no lugar do aparentemente mais desgastado Paulinho. Jogando como jogou, o Sporting teve no tridente da frente (Sarabia, Paulinho e Pedro Gonçalves) gente muito mais à espera da bola do que capaz de ir atrás dela. E um jogo como este com o City exigia, a meu ver, uma disponibilidade física que muito provavelmente o Sporting não estava em condições de ter, considerando, sobretudo, o tremendo desgaste do clássico no Dragão. E talvez esse ajude também a explicar porque ficou de fora Feddal, um problema que a solução Ricardo Esgaio não resolveu.
Em todo o caso, o leão foi assustadoramente goleado no campo, mas, mais uma vez, goleou fora dele. Com a fantástica conferência de Amorim e os elogios de Guardiola a uma das pérolas de Alvalade. Tal como escrevi, talvez há mais de um ano, que a venda de Darwin provavelmente acabará por pagar todo o plantel do Benfica, também agora me atravesso pela ideia de que a venda de Matheus Nunes provavelmente acabará por pagar todo o plantel do Sporting. E ainda mais o treinador, como defendeu, honra lhe seja, o presidente leonino. Será, então, depois de Amorim, mais um grande golpe de Varandas!

PS: Tal como prometido na sexta-feira, percorro então a restante parte da semana europeia: no reencontro de Sérgio Conceição com a ‘sua’ Lazio (onde Conceição foi campeão, como jogador, evidentemente, há 22 anos), lá vimos o FC Porto a ser FC Porto e a virar o resultado frente a uma sempre boa e sempre muito competitiva equipa romana, com destaque para o renascido Toni Martínez, que não marcava há quatro meses. Já o SC Braga, acabou traído, na Moldávia, pela cabeça (erros a mais) e não pelo coração. Mas dá vontade de perguntar: já compararam o onze de Carvalhal há um ano com o de agora?... À espera da Europa está, agora, o Benfica, com as dores de mais uma desilusão, desta vez, no Bessa. Como explicar uma 1.ª parte tão boa e uma 2.ª parte tão má? Até parece que já nem é defeito, mas feitio!...