Alguns esclarecimentos sobre os jogos de Sporting, Benfica e FC Porto
'O poder da palavra' é um espaço de opinião semanal de Duarte Gomes
A jornada passada ofereceu-nos algumas situações que me dão a oportunidade de tentar o respetivo esclarecimento técnico. Gostava apenas de reforçar a ideia de que explicação técnica nem sempre coincide com opinião pessoal. Por vezes há uma diferença gritante entre aquilo que a lei impõe e o que entendemos ser o mais certo e adequado. De facto, legalidade e justiça nem sempre andam de mãos dadas.
I No Arouca-Sporting uma queda na área de Francisco Trincão (já em desequilíbrio devido a intervenção anterior de Loum) levantou dúvidas a vários níveis: falta por assinalar? Vantagem bem/mal aplicada? Pontapé de penálti? Ou pontapé de canto? Sem prejuízo da decisão de boa-fé tomada em campo, parece-me importante deixar aqui uma nota: um toque ligeiro, por regra, não é ilegal. Se é ligeiro dificilmente será suficiente para fazer cair ou afastar irregularmente alguém da jogada. Certo. Mas atenção! Essa análise nunca se pode cingir apenas à ação, mas ao todo do lance.
Percebam: tocar num jogador que está parado, que é grande ou que tem os pés bem apoiados no solo não é a mesma coisa do que tocar noutro mais leve, que esteja em velocidade ou a saltar a dois pés. Não sou eu que o digo, é a física. Se têm dúvidas, façam este exercício: vão a uma praia qualquer (é mais seguro) e peçam a alguém que vos dê um toque nas costas quando estiverem parados e outro quando estiverem a correr a alta velocidade. Verão as diferenças na hora.
A questão a reter aqui é que um mesmo contacto, com o mesmo tipo de pressão, pode não ser nada em determinados momentos, como pode ser penálti indiscutível noutros. A pergunta que devem fazer é a seguinte: aquele contacto determinou aquela consequência ou não? O jogador caiu porque quis ou aquela ação foi relevante para aquele desfecho? No futebol, tocar não é falta, mas se o toque desequilibrar, desviar, fizer tropeçar ou cair, é. Não o esqueçamos.
II Na Luz, o golo de Akturkoglu aconteceu cerca de vinte segundos depois de Otamendi cometer infração negligente sobre Safira (não assinalada). A maioria das pessoas leu o lance como legal pelo facto do VAR não poder intervir (alegadamente foi criada nova jogada quando três defesas do Santa Clara tocaram na bola). Permitam-me nova tentativa de esclarecimento: o facto do videoárbitro não poder recomendar a revisão de uma falta, não anula a sua existência. O que apenas nos diz é que aquele elemento não podia ajudar os colegas a detetar algo que realmente aconteceu. E neste caso houve mesmo infração da equipa atacante pouco antes de obter um golo, sem que entretanto a bola saísse do terreno ou o jogo fosse interrompido.
Outra nota ainda: é tecnicamente discutível a interpretação de que aqueles três toques na bola de jogadores açorianos (três são muitos, de facto) impunham a criação de nova fase de ataque. O que o protocolo diz para que isso aconteça é que deve haver posse de bola efetiva (não meros cortes ou alívios), definindo-as como «controlo claro da bola e de movimentos corporais sem qualquer tipo de pressão». Dúbio.
III O golo marcado por Samu foi irregular. O árbitro dificilmente poderia ver a irregularidade, mas a tecnologia de vídeo devia ter ajudado. O pisão existiu e foi faltoso. Mas, cuidado, nem sempre é assim. Há pisões que podem nem ser sancionados (os que acontecem de forma imprevisível ou inevitável), os que são apenas imprudentes (quem pisa não tem cuidado/atenção ao abordar o lance), os negligentes (o infrator não mede as consequências que a sua ação tem para o adversário — cartão amarelo) e os grosseiros/violentos (praticados com força excessiva e/ou que podem causar lesão grave — expulsão).
No meio de tanta teoria técnica, a certeza reforçada: na prática é mesmo muito difícil, porque muitas vezes a linha entre legal e ilegal, amarelo ou vermelho, é demasiado ténue.