OPINIÃO «Ai, vizinho, é que eu sou do Sporting… que vergonha»

São duas da manhã e o septuagenário do rés do chão direito não acerta com o buraco da fechadura. O homem saiu para ver o seu Sporting e acabou a beber para esquecer... Este é o Nunca Mais é Sábado, espaço de opinião de Nuno Raposo

1 São quase duas da manhã, está frio e por isso a caminhada do carro estacionado até à porta do meu prédio é feita com pressas de atleta e não com calmas de caracol como às vezes aproveito, sobretudo nas alturas de temperatura amena, para meter pensamentos em dia depois de uma jornada de trabalho — desta vez atarefado com a receção do jogo do Sporting com o Club Brugge, quarta derrota consecutiva de João Pereira desde que chegou à equipa A leonina.

Dobro a esquina. Além de frio está mais escuro do que o habitual, porque a luz do poste de iluminação pública fraqueja como o Sporting tem fraquejado nestes últimos jogos. À porta do meu prédio, alguém a tentar enfiar a chave na fechadura com dificuldade. Parece um vizinho, já perto dos oitentas, o que estranhei àquela hora. É mesmo o septuagenário do rés do chão direito. Aproximo-me e um odor etílico faz perceber a dificuldade em acertar no buraco da fechadura. Mais perto ainda, reparo no boné que traz na cabeça, parece verde. Sim, é verde e tem o símbolo do leão. O septuagenário, atrapalhado por ter sido apanhado naquele momento, repara que reparo no boné leonino que lhe aconchega a cabeça em noite gélida. «Ai, vizinho, é que eu sou do Sporting… que vergonha.»

O homem não estava, afinal, torto pelas aventuras etílicas a horas impróprias, o homem estava era arrasado por ter saído de casa para ver o seu Sporting entre dois copos e em vez de beber para festejar acabou a fazê-lo para esquecer.

Quem diria? De um mês para o outro, o leão insaciável, que goleava e metia medo por tantos adversários devorar e com isso deixava a família leonina eufórica a sonhar com um bicampeonato inédito em 70 anos, é agora um gatinho que não mete medo e deixa os adeptos deprimidos. Sim, os sportinguistas estão deprimidos como já não estavam há quase cinco anos.

E o mal é que a depressão das bancadas parece passar para o relvado. Para acabar com ela é hora de agir: se a reação não for em campo então terá de ser da administração. Ainda há tempo, mas já não é muito…

2 Acho que Bruno Lage não tem razão. Percebo o que quis dizer, depois de um jogo complicado para o campeonato, numa altura em que o Benfica vai embalado com vitórias na Liga, mas talvez também pelo momento do rival lisboeta do que propriamente apenas pelas exibições… A frase a que me refiro foi esta:

Aproveito para dizer que a equipa quer o objetivo de vencer, falamos de um campeonato, seria engraçado e um desafio interessante, em relação aos últimos campeões, Sporting, Benfica, FC Porto, perceber quantas vitórias estão lá de 1-0, porque no final são esses três, quatro, cinco jogos de 1-0 que vão fazer a diferença do campeão. Porque todas as equipas têm capacidade para vencer e é nesses dias que têm de ser muito competentes para vencer por 1-0, todos os campeões se fazem assim.

Na época passada, o Sporting terminou campeão com três vitórias por 1-0 e uma delas já dono do título — e, sim, com mais algumas pela margem mínima. Mas terminou também com registo de cinco goleadas — 5-1, 8-0, 5-0, 6-1 e 4-0. E em 2018/2019, Benfica campeão pela mão de Lage, cinco vitórias por 1-0 e 12 goleadas – 4-0, 4-0, 6-2, 5-1, 10-0, 4-0, 4-0, 4-1, 6-0, 4-1, 5-1 e 4-1. No final, esses jogos de 1-0 são sem dúvidas importantes, sobretudo para a crença e se arrancadas a ferros. Porém, parece-me que o 8-0 do Sporting ao Casa Pia e o 10-0 do Benfica ao Nacional dizem muito mais daqueles campeões de 2023/2024 e de 2018/2019.