A vila mais famosa do mundo
'JAM sessions' é o espaço de opinião semanal do jornalista João Almeida Moreira, correspondente de A BOLA no Brasil
A propósito da despedida de Léo, em 2016, numa partida entre Santos e Benfica, os clubes da vida do antigo lateral-esquerdo, A BOLA visitou a Vila Belmiro, «a vila mais famosa do mundo», como é chamada no Brasil.
E o fascinante da experiência de fazer uma visita guiada à casa do Santos é a sensação de estar a conhecer o Santiago Bernabéu, a casa do Real Madrid, e o campo pelado de um humilde clube de bairro, ao mesmo tempo.
Como o Bernabéu, a Vila testemunhou um conjunto ímpar de craques — Pelé, acima dos demais, mas também Feitiço, Pepe, Coutinho, Pagão, Dorval, Edu, Toninho Guerreiro, Serginho Chulapa, Giovanni, Robinho, Diego, Neymar ou Ganso — e um vasto catálogo de taças — duas Intercontinentais, três Libertadores, oito edições do Brasileirão, uma Copa do Brasil, cinco torneios Rio-São Paulo e 22 paulistas, fora outros títulos.
Mas, como os campos dos mais humildes clubes de bairro, o Estádio Urbano Caldeira, nome oficial da Vila, não passa, no fundo, de um apertado santuário na Rua Princesa Isabel, por entre prédios residenciais, mercadinhos, botequins, barbeiros e drogarias, de um lado e de outro.
Lá dentro, ao transpor, pé ante pé, o mesmo velho portão ferrugento que Pelé transpôs, a sensação é a de estar a entrar num mundo misterioso, mágico, encantado: numa salinha esquecida, por trás da pilha de equipamentos usados dos juvenis, uma fotografia do Rei, provavelmente original e de valor incalculável; numa despensa perdida, pás, vassouras, esfregões e, pelo meio, uma taça empoeirada conquistada numa noite longínqua qualquer num torneio em Cali, na Colômbia.
Entrar na Vila Belmiro, aliás, é como entrar naquele museu dos filmes À Noite, no Museu em que as obras de arte ganham vida, como Clodoaldo, aquele mesmo que inicia com um par de dribles a jogada magistral do 4-1 do Brasil à Itália na final de 70, e serve de cicerone da imprensa nas visitas guiadas ao estádio. A meio do percurso, salta, em carne e osso, Juary, o herói portista de Viena mas conhecido em Santos como membro da famosa equipa dos Meninos da Vila, a prever, entre risos, uma copiosa derrota encarnada frente ao Peixe em nome do amor ao dragão.
E, no final, o auge da experiência: no botequim em frente, joga às cartas, com mais três amigos, Coutinho, o maior parceiro de Pelé, que viria a falecer três anos depois do jogo de despedida de Léo.
Mas por que razão lembrar agora esta visita à vila mais famosa do mundo? Porque segunda-feira, depois de um inédito ano no degredo da Série B, se os deuses do futebol quiserem, o Santos ganha ao Ituano e a Vila Belmiro regressa à Série A.