A revolução do futebol norueguês: o talento que emerge e a comparação com Portugal
Apenas 38% dos jogadores da Primeira Liga em Portugal são portugueses. Na Noruega, esse número é de 71% (Foto Imago)

A revolução do futebol norueguês: o talento que emerge e a comparação com Portugal

Esta Tribuna Livre, espaço de opinião em A BOLA, é da autoria de Nuno Marques, ex-guarda-redes, autarca em Notodden (Noruega) e professor universitário

Nos últimos anos, o futebol nórdico tem dado que falar, e com razão. Os jogadores provenientes da Noruega, da Suécia e da Dinamarca têm brilhado em campeonatos internacionais e despertado o interesse dos grandes clubes europeus.

Mas o que estará a acontecer por estes lados que está a gerar tanto talento?

E, mais importante, o que podemos aprender com isso quando olhamos para o panorama do futebol em Portugal, onde o jogador nacional parece cada vez mais relegado para segundo e terceiro plano?

Falo com conhecimento de causa. Em 2004, tornei-me, tanto quanto sei, o primeiro jogador português a atuar na Primeira Liga da Noruega. Depois de uma formação nas escolas do União de Tomar e do Benfica, cheguei à Noruega com a ideia de ficar dois ou três anos, talvez usar o país como trampolim para outro destino. Mas algo extraordinário aconteceu: encontrei condições que nunca tinha visto em Portugal. Estabilidade financeira, boas condições de trabalho, um ambiente de respeito e seriedade. Nunca, em todos os anos que joguei na Noruega, tive um salário em atraso — e, por vezes, o dinheiro já estava na conta dias antes do esperado. Em contraste, o que via em Portugal eram promessas por cumprir e incerteza constante, especialmente para aqueles que não jogavam nos grandes clubes.

A Noruega, como outros países escandinavos, começou a transformar-se. Hoje, os relvados sintéticos e os campos aquecidos permitem treinar e jogar durante todo o ano, algo impensável em climas mais duros. Mas mais do que isso, o investimento nos jovens jogadores tem sido notável. Muitos dos atletas que agora despontam vêm de famílias com tradições desportivas, e os clubes, quer na Primeira quer na Segunda Liga, têm apostado fortemente nas suas academias e programas de formação. Este é o verdadeiro segredo do sucesso: formar, apostar e dar espaço ao talento nacional para crescer.

E é aqui, neste último ponto, que surge a comparação inevitável com Portugal. De acordo com os dados do Transfermarkt, apenas 38% dos jogadores da Primeira Liga em Portugal são portugueses. Na Noruega, esse número é de 71%. Se olharmos para a Segunda Liga, a diferença é ainda mais clara: 47% dos jogadores são portugueses, enquanto, na Noruega, 76% dos atletas vêm de casa. O caso do FC Porto é ilustrativo. Com apenas 42% de jogadores nacionais no plantel, perdem por larga margem para o Bodo/Glimt, cujo plantel é composto por 73% de jogadores noruegueses. E como sabemos, o tal desconhecido Bodo/Glimt venceu o poderoso FC Porto, por 3-2, na Liga Europa há algumas semanas.

Se olharmos para a posição de guarda-redes, a situação é ainda mais alarmante: na Primeira Liga portuguesa, apenas três dos 18 clubes têm um guarda-redes titular português. Na Noruega, oito dos 16 clubes têm um guarda-redes nacional. Estes números são reveladores e preocupantes para o futuro do futebol português.

Então, o que se passa em Portugal?

Porque é que o jogador nacional tem tantas dificuldades em afirmar-se, mesmo nas equipas do seu país?

Algumas das respostas, infelizmente, estão nas decisões dos clubes e no controlo que empresários e dirigentes exercem sobre o futebol. As portas para os jovens talentos portugueses estão cada vez mais fechadas. Enquanto, na Noruega, um jovem jogador tem hipóteses reais de chegar à Primeira Liga e de lá saltar para um campeonato mais competitivo, em Portugal a história é diferente. O futuro do jogador português em Portugal há muito que está ameaçado. Incrivelmente, ainda vão surgindo talentos, mas para muitos a realidade passa pela Liga 3, pela emigração ou, pior ainda, por abandonar o futebol.

Sim, poderia mencionar as equipas B (tive a honra de fazer parte da primeira equipa B do Benfica) e do campeonato revelação sub-23, que têm sido usados como uma camuflagem para uma aparente aposta nos jovens portugueses. Mas, na prática, vejo esse campeonato como um espaço que apenas adia o inevitável: muitos acabam na Liga 3, a emigrar, ou, tristemente, a abandonar o futebol. Apesar de tudo, ainda vemos surgir talentos incríveis, mas, para a grande maioria, o caminho é mesmo esse — futuro incerto, longe dos holofotes, ou longe de casa.

Esta é uma realidade que deveria alarmar todos os que realmente se preocupam com o futebol português. Enquanto os países nórdicos investem nos seus, criando condições para que o talento floresça, em Portugal continuamos a assobiar para o lado. A aposta no jogador português está a perder força, e isso não só compromete o futuro das nossas seleções, como também empobrece o espetáculo e a identidade dos clubes portugueses.

Está na altura de se refletir sobre o caminho que se está a seguir em Portugal. O futebol português precisa de uma revolução semelhante à nórdica. Não se pode continuar a ser refém de interesses financeiros que colocam o talento nacional em segundo e terceiro plano. Só assim se conseguirá assegurar que o futuro do futebol português esteja nas mãos de quem tem paixão e competência para o levar mais longe antes que seja tarde de mais.